Como debater com um populista

Escrito por António Ferreira

“Um dos grandes problemas da argumentação é que é muito mais fácil proferir uma falácia do que desmontá-la. “

Um dos espetáculos mais penosos dos últimos tempos foi ver a incapacidade de Rui Tavares expor as suas ideias perante André Ventura. Não só não conseguia levar um argumento até ao fim, tantas eram as interrupções, com Ventura a falar “por cima” dele, como deixou levar o debate na direção que o Ventura queria, esquecendo ou não desenvolvendo os temas que levava preparados.
Um dos grandes problemas da argumentação é que é muito mais fácil proferir uma falácia do que desmontá-la. Quando Ventura disse, noutro debate, que iria colocar em quatro anos as pensões mínimas ao nível do salário mínimo nacional, financiando o esforço com os dinheiros da corrupção e da economia paralela, gastou nesta barbaridade pouco mais de 30 segundos. Quando lhe disseram que isso é impossível, que implica um esforço descomunal, incomportável para as finanças públicas, virou-se contra o adversário e acusou-o de querer manter os velhinhos na miséria com pensões de 400 euros. «Você vivia com 400 euros?!». Quando tentaram argumentar que o dinheiro da corrupção ou da economia paralela era uma ilusão, acusou o adversário de pactuar com a corrupção e a economia paralela. «Você não quer é acabar com a corrupção!» Imbatível!
Susana Peralta, em artigo publicado no jornal “Público” no passado dia 16 de fevereiro (com o título “A improvável limpeza do partido do Dr. líder”) refuta as ideias de Ventura para acabar com a corrupção, mostrando que não passam de um confrangedor rol de banalidades e erros factuais. Susana Peralta tem toda a razão, mas precisou de um artigo de página inteira para desmontar as aldrabices do Chega. Se estivesse num debate com o Ventura nem passava do primeiro parágrafo.
Como fazer? Como rebater a metralha de palavras dos populistas e ao mesmo tempo encontrar espaço para expor as próprias ideias? Trump, o maior populista deles todos, o mais aldrabão, o menos preocupado com ética e verdade, ensina-nos. Quando lhe recordam notícias do “New York Times” ou da CNN que desmascaram as suas falsidades, esmaga o argumento em duas palavras “fake news!”. Se fosse em Portugal e falasse português, limitava-se a gritar “É mentira!” as vezes que fosse preciso. Fazia o mesmo no Twitter, sempre que tinha de se defender de alguma coisa, limitando-se aos 140 carateres que tinha à sua disposição para cada “post”. O segredo é por isso a brevidade.
No debate com um populista há que, em primeiro lugar, não deixar que o populista interrompa e fale “por cima”. Na primeira vez que o faça, dá-se um murro na mesa e fala-se ainda mais alto. “Cale-se! Espere pela sua vez!” ou, se não funcionar, calar-se e deixá-lo acabar. Depois, friamente, dizer algo para a audiência como “se ele um dia ganhar as eleições ninguém mais terá oportunidade de falar”. Ou então, quando mais nada funciona: “Quando eu falo você baixa as orelhas!” Eu começaria assim, mas não sou político.
Depois, quando o populista vem com as suas medidas impossíveis, como aumentar as pensões mínimas para o valor do salário mínimo, há que começar por dizer o óbvio: “Toda a gente quer melhorar as pensões, todos queremos que tenham o valor mais alto possível, de preferência superior ao salário mínimo, com que já agora ninguém consegue nos dias de hoje viver dignamente”. Depois, quanto às medidas propostas pelo populista, dizer que não passam de caça aos gambozinos ou de banha-da-cobra – e só. Finalmente, e nos intervalos da gritaria, expor as próprias ideias, realistas e realizáveis.
Quando ele começar a disparar a grande velocidade a metralhadora de mentiras e falácias, há que o interromper, repetida mas pacientemente, com uma só palavra: falso (ou equivalente, como “treta”, “aldrabice”, “mentira” ou equivalente), falso, falso. Ou então rir na cara dele e atirar com um “não está a falar a sério, pois não?”

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António Ferreira

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