Há 60 anos o concelho da Guarda tinha mais pessoas, mas menos famílias e menos alojamentos do que hoje. Calhando estar à mesa do café, ao falar disto ou doutras parecidas, haveria com certeza quem, em tom mais ou menos brejeiro, declarasse que nessa altura o frio da Guarda empurrava, literalmente, as pessoas para os braços umas das outras. Obrigando-as a multiplicarem-se em espaços pequenos para se manterem quentes. Não calhando, arriscar-se-ia dizer, em tom mais ou menos sério, que aquilo era consequência da falta de planeamento familiar, de rendimento suficiente e, em última análise, de generalizada iliteracia. Neste último caso, sempre se pareceria mais sensato por concluirmos que éramos mais, mas, mesmo para os padrões da altura, vivíamos muito pior.
Não que com tal conclusão se queira dizer que nos devamos conformar, no que à perda de população diz respeito, obviamente. Contudo, concedendo em que o mais prudente será não falar sobre aquilo para que não temos solução, melhor faremos em aceitar que somos poucos e esquecer o assunto da “desertificação”. O mesmo será dizer: aceitar que somos poucos. Relativamente a 1960, claro. Antes de a Guerra Colonial ter começado e quando os Pirenéus ainda assustavam os emigrantes que mais tarde acabaram, mesmo, por decidir partir e atravessá-los, fosse de que maneira fosse. Depois dessa altura, ou destes dois eventos, se preferirem, nunca mais voltámos a ser muitos mais dos que os que somos atualmente. Caso para perguntar se, passado mais meio século, não estará na hora de nos reconciliarmos com esta escassez de nós. Assim, talvez nos pudéssemos entreter com coisas mais comezinhas, como aproveitar o que de bom temos, e deixar de ambicionar ser e ter coisas para que não temos jeito nenhum. Claro que primeiro teríamos de descobrir que coisas são essas e poderíamos até ir começando por aquela da Capital da Cultura, seguir para a do Hospital e continuar para a das Portagens com o Hotel Turismo atrelado.
O tempo e o dinheiro que não desperdiçámos com aquela mania que nos deu, de querer ser Capital da Cultura? Provavelmente quase tanto como o que se desperdiça com a mania de querer ter um Hospital por inteiro. Ainda assim, de certeza que muito menos do que o que gastamos com as Portagens e o Turismo. É que nós até sabíamos que não tínhamos Cultura que chegasse, mas encasquetámos que sim e depois foi o que se viu. Tal como também sabemos que os médicos não são gente de querer muita coisa connosco, mas continuamos a teimar em querer obrigá-los a ter. Isto, para não falar das Portagens que, juntamente com o encerramento do Hotel, entre coisas piores de que também se dá em falar, alegadamente, afastam Turistas e visitantes. Depois, quase se chega a achar estranho o facto de os outros parecerem nem sequer ligar nada ao que tanto tempo e energias nos absorve, parecendo-nos quase que uma excentricidade que, apesar de tudo, continue a haver estrangeiros a preferir viver na região e turistas a visitá-la. Caso para pensar que, provavelmente, o fazem por não se terem apercebido de que faltam médicos por cá, de que o Hotel continua fechado e de que as Portagens são muito caras. Se bem que, com tanto alarde que fazemos disso, também não seja muito provável que tal aconteça, vá.
Coisas para que não temos jeito nenhum…
“Caso para pensar que, provavelmente, o fazem por não se terem apercebido de que faltam médicos por cá, de que o Hotel continua fechado e de que as Portagens são muito caras. Se bem que, com tanto alarde que fazemos disso, também não seja muito provável que tal aconteça, vá.”