Colocamos as nossas poupanças no banco. Guardamos documentos importantes numa cloud. Enviamos encomendas por transportadoras. Adquirimos seguros de saúde e de habitação. Fazemos tudo isso com uma enorme naturalidade. Porquê? Porque confiamos. No nosso dia-a-dia, consciente ou inconscientemente, depositamos repetidamente a nossa confiança em instituições e serviços.
Há milénios que assim é. Em verdade, não poderia ser de outra forma. Sem confiança, as sociedades humanas pura e simplesmente não funcionam, pois ela é, como bem notou o autor norte-americano Stephen Covey: «O princípio fundacional que suporta todo o tipo de relações».
Após a invenção da agricultura, as comunidades humanas tornaram-se sedentárias e conheceram um crescimento demográfico exponencial. Em resultado, a organização socioeconómica foi-se tornando cada vez mais complexa e mais impessoal. Desde então, a execução de vários procedimentos e atividades inerentes à vivência coletiva exigiu a implementação de mecanismos que garantissem o prevalecimento da confiança entre os membros da sociedade.
Nas sociedades contemporâneas, essa confiança é assegurada por uma combinação de burocracia, centralismo de processos e intermediários especializados nos procedimentos. Basta pensarmos no pedido de empréstimo a um banco ou na aquisição de um imóvel. No entanto, desde 2008, essa combinação está a ser fortemente ameaçada por uma nova tecnologia, através da qual a confiança é estabelecida pelo trabalho colaborativo encriptado e não por uma autoridade central: o Blockchain.
Muito resumidamente, o Blockchain é uma rede descentralizada, onde não existem intermediários para realizar e validar transações de bens materiais (e. g. ativos financeiros, imóveis, músicas). As transações são validadas por consenso dos participantes, ficando então registadas em todos os computadores da rede. Depois de efetuado o registo, as transações não podem ser alteradas e ficam disponíveis para consulta a qualquer momento. Como essas transações são agrupadas de forma contínua em forma de blocos, surgiu a denominação sugestiva de Blockchain (“corrente de blocos”).
Para inúmeros setores de atividade, esta tecnologia oferece soluções mais céleres, mais económicas, mais autónomas, mais transparentes, mais seguras e menos burocráticas. Em resposta aos dois casos supramencionados, por exemplo, através da tecnologia Blockchain, é possível um utilizador emprestar dinheiro (via Peer-to-Peer Lending) ou arrendar um imóvel (via Smart Contacts) a outro utilizador, sem a necessidade de recorrer aos processos e aos intermediários tradicionais.
A tecnologia Blockchain está no epicentro de uma profunda reorganização económico-financeira e sociocultural, cujo resultado final é ainda difícil de antecipar. Razão tinha o filósofo Robert C. Solomon quando afirmou que «a confiança abre possibilidades novas e nunca antes imaginadas». À medida que a tecnologia Blockchain vai alargando e aperfeiçoando essa nova rede de confiança entre pares, também se vai reforçando cada vez mais a convicção de que a ciência e a tecnologia são os verdadeiros «motores da história».
* Ex-presidente da Federação do PS da Guarda e antigo vereador da Câmara da Guarda