A semana passada, depois do meu retorno às páginas de O INTERIOR, milhares de pessoas saíram à rua em todo o país, mesmo em todo o mundo, em marchas silenciosas e outras bem sonoras de protesto contra a discriminação sofrida pelas mulheres nas linhas do meu artigo.
“Por direitos iguais”, li em alguns cartazes, só porque eu terminei o texto informando o leitor que ia procurar uma mulher que era concubina de um rei, e com quem ele acabou por casar. Numa só frase, ofendi as feministas que abominam a poligamia, os progressistas que são contra o casamento, os moralistas que detestam o adultério e os medricas que se escabeleiram perante o Islão.
Também os membros do Governo, no dia em que o número 1.000 de O INTERIOR chegou às bancas, andaram vestidos de luto, o que demonstra má vontade contra o jornalismo e as regiões de baixa densidade.
Ouço vozes sábias que me esclarecem – e informo o leitor que não ouço tais vozes dentro da minha cabeça, já que não padeço de loucura, essas vozes são de duendes que vivem dentro da minha almofada – que a razão para tanta comiseração era a comemoração de um dia e não a publicação das minhas palavras de apreço na última edição deste jornal. Esta teoria talvez faça mais sentido, uma vez que provavelmente haverá mais dias num ano do que leitores dos meus textos.
Na sexta-feira passada o mundo comemorou o Dia Internacional da Mulher, uma data que brevemente será um anacronismo discriminatório para todos os outros géneros, com excepção evidente para os homens cisgénero heterossexuais, que nunca poderão atingir a redenção da sua condição de masculinidade tóxica.
Há muitos anos, Miguel Esteves Cardoso escreveu uma crónica onde brincava com a forma portuguesa de usar a palavra género. «Dentro do género, isto é bom». Se alguma coisa mudou neste país nestes trinta anos não foram os políticos. Mas a utilização da palavra “género”, com certeza. Primeiro, hoje é muito mais arriscado fazer uma gracinha que envolva o vocábulo género. Segundo, a versão hiper-contemporânea da frase de Miguel Esteves Cardoso é “fora do género, isto é muito bom”.
* O autor prefere teimosamente continuar a escrever como lhe ensinaram