Andar por aí…

Amaro sai de Bruxelas pelo seu pé e, mesmo com a justiça a morder-lhe os calcanhares, estará onde quiser nos próximos anos, na Câmara da Guarda, no Governo ou na CCDRC

Ficou famosa a expressão de Pedro Santana Lopes, em 2005, quando, depois de perder as eleições após a destituição do governo de que foi primeiro-ministro, disse «não vou estar por aqui, mas vou andar por aí». Santana foi tudo! Ou quase! Saiu do seu partido e fundou uma “Aliança” que morreu à nascença, escreveram-se epitáfios, mas nas estrelas estava escrito que só sai quando quiser – continua por aí: é presidente da Câmara da Figueira da Foz, e por lá vai continuar.

Os políticos mais marcantes fazem o seu caminho, têm a sua história e ficam na história das respetivas comunidades pela obra, pelo trajeto, pelo percurso, porque deixam a sua marca indelével na vida pública e política das suas terras, na sua região ou no seu país. E retiram-se quando querem e se quiserem – até lá, “andam por aí” e só eles têm o poder e a arte de decidir se seguir ou sair. Goste-se ou não deles.

Álvaro Amaro leva 40 anos na vida pública (e de dedicação à causa pública). Chegou ao Xº Governo Constitucional em 1985 como chefe de gabinete de Fernando Nogueira, que era o ministro Adjunto e dos Assuntos Parlamentares de Cavaco Silva, depois foi secretário de Estado da Agricultura (10 anos), foi deputado e liderou o PSD no distrito da Guarda. Foi autarca em Gouveia e doze anos depois na Guarda. Deixou a “mais alta” em 2019 para ser eurodeputado em Bruxelas (uma escolha legítima ainda que os seus detratores considerem que abandonou a Guarda). A 27 de abril deste ano foi condenado a três anos e meio por prevaricação de titular de cargo público, com pena suspensa, de que recorreu (reclamando inocência numa sentença que o condena por supostamente ter tido a intenção de lesar as contas do município de Gouveia). Entretanto, renunciou ao mandato no Parlamento Europeu (PE) por um «imperativo de consciência» (deixando de receber 150 mil euros), num gesto raro de desapego que outros não tiveram. E, antes de abandonar o PE, procurou cumprir com o seu desiderato de deputado – defender os interesses nacionais, aproximar os cidadãos ao PE e contribuir para a afirmação dos nossos produtos e valores (muitos deputados que estiveram anos em Bruxelas não deixaram marca, nunca promoveram ações ou defenderam as suas regiões e os seus produtos). Álvaro Amaro abandona dia 7, esta sexta-feira, o PE e cumpriu com distinção.

Desde Bruxelas, e marcando a sua despedida, o antigo autarca, não deixou de falar sobre o momento político na Guarda, enquanto recordava que foi sua opção renunciar ao mandato no PE e que não está inibido de nenhum direito político – e «vai andar por aí»! E tudo fará para «recuperar a Câmara da Guarda para o PSD». Sem especificar qual será o seu papel para concretizar esse objetivo, deixou uma clara mensagem de que estará presente nas próximas decisões do PSD quanto a candidatos, nomeadamente que acompanhará de perto as diferenças dentro do PSD na Guarda. Sem o dizer, percebe-se que Álvaro Amaro poderá defender o regresso de Sérgio Costa ao partido ou, se isso não for possível (até pela relação visceral que afasta cada vez mais o atual presidente da autarquia do partido onde militou 25 anos), poderá o próprio vir a estar disponível para ser o candidato do PSD. Álvaro Amaro sabe que deixou muitas saudades entre os seus correligionários e a Guarda poderá acolhê-lo de regresso, se ele assim o desejar. O até hoje eurodeputado leu atentamente Eduardo Lourenço e sabe que «mais importante que o destino é a viagem». A meio do mandato autárquico, Amaro despede-se do Parlamento Europeu, mas não se despede da política. Sai de Bruxelas pelo seu pé e, mesmo com a justiça a morder-lhe os calcanhares, estará onde quiser nos próximos anos, na Câmara da Guarda, no Governo ou na CCDRC.

(Declaração de interesses: Álvaro Amaro foi colunista de O INTERIOR entre 2000 e 2006; Após a sua eleição como presidente da Câmara da Guarda, em 2013, houve muitas divergências editoriais e de opinião entre ele e este jornal; Em 2016, a concelhia do PSD da Guarda, então presidida por Luís Aragão, emitiu um segundo “comunicado de imprensa”  contra este jornal, insurgindo-se contra a liberdade de expressão deste escriba e acusando-o de liderar a oposição à Câmara de Álvaro Amaro; o vice-presidente de Álvaro Amaro, e depois presidente da Câmara, Carlos Monteiro, apresentou queixa na ERC contra este jornal e o seu Diretor e avançou com processo em Tribunal por «delito» de opinião contra este jornal, o seu Diretor e a colunista Cláudia Teixeira; em 2019, na sequência da saída de Álvaro Amaro, o sucessor de Álvaro Amaro, Carlos Monteiro, e os quatro vereadores do PSD, Sérgio Costa, Vítor Amaral, Lucília Monteiro e Cecília Amaro aprovaram e divulgaram um “comunicado de imprensa” atacando o Diretor deste semanário a propósito de um Editorial intitulado de “A herança de Álvaro Amaro”, que levou este escriba a apresentar queixa junto da ERC e da CNE por quebra de imparcialidade e neutralidade, punida por lei, por parte da Câmara da Guarda, pelo que foram advertidos que deviam abster-se de adotar condutas semelhantes, sob pena de incorrerem na «prática do crime de violação daqueles deveres» –  https://ointerior.pt/politica/pe-p-pp-2019-250-diretor-jornal-o-interior-neutralidade-e-imparcialidade-das-entidades-publicas-comunicado-do-presidente-e-vereadores-cm-guarda/ -;Todos defendem a liberdade, a liberdade de expressão, a liberdade de opinião, mas por dá cá aquela palha não se admite o comentário, a critica a opinião divergente e recorre-se às mais diversas instâncias…).

Sobre o autor

Luís Baptista-Martins

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