Ele há o poema “os ninguéns” de Eduardo Galiano, sobre os homens que servem como recurso, mas nunca chegam a cidadãos. Ninguéns de tudo, donos de nada.
Ele há um poema extraordinário sobre a “cantiga dos ais”, de Armindo Mendes de Carvalho, que Mário Viegas declamou de modo inesquecível. «Os ais de todos os dias, os ais de todas as noites, os ais que vêm do peito».
Os ninguéns raramente gemem, ou gemem pouco, porque não se lhes ouve o gemido. Os ninguéns esperam que a sorte mude, que o vento traga dinheiro. Vivem entre dores e desaconchegos que não sabem que o são. Para saberes o que é conforto precisas de lhe ver o lugar, precisas de lhe encontrar o espaço. Há os desafortunados que são ninguém e não sabem. Depois há os que desceram à condição de ninguém e sofrem da agrura e da derrota. Os ninguém envergonhados são os que mais gemem. «Triste de quem der um “ai” sem achar eco em ninguém». A desesperança ataca os que perdendo, nunca encontram o fim da derrota. Há uma má sorte que serve de mochila aos ninguéns. Tentam no jogo e perdem. Tentam no trabalho e são despedidos. Pedem casa na Câmara e sempre lhes negam. Os ninguéns sem nada são dóceis. Percorrem as ruas a pé, são invisíveis, contentam a fome com o pão de cada dia. Já os ninguém que gemem alto são donos de dores, são cheios de memórias. Há ninguéns famosos debaixo das pontes. Ai. Há ninguéns doutores que a vida nunca ajudou. Ai. Há percursos de sonho que terminaram sós e sem nada. Ai. Há um colega de escola que pede na rua. Não chora. Não geme. É lúcido e triste. Bebe até adormecer desde o tempo do liceu. É um ninguém, dono de nada.
Ais de nada
“Os ninguéns raramente gemem, ou gemem pouco, porque não se lhes ouve o gemido. Os ninguéns esperam que a sorte mude, que o vento traga dinheiro. Vivem entre dores e desaconchegos que não sabem que o são.”