A tragédia da serra pode ser uma oportunidade

A natureza não espera, ou recuperamos a serra da Estrela de forma ordenada e sustentável ou a flora irá renascendo sozinha, de forma desordenada e exposta a novos fogos nos próximos anos.

O inferno desceu à terra e destruiu a natureza na serra da Estrela. Num ano em que o fogo voltou a ser o maior flagelo com que temos de conviver, na nossa região, como no país e na Europa.

Se as chamas ainda andam por aí, este já é o tempo de rever tudo o que falhou e seguir em frente. A natureza morta vai renovar-se. E mais do que procurar culpados, e cavalgar a narrativa do incendiário, é tempo de planificar o futuro, de apoiar quem precisa de ajuda – quem perdeu toda uma vida, quem precisa de alento para continuar, quem ainda acredita no campo e quer voltar a tratar os animais que agora não têm comida ou reflorestar a terra queimada: é para eles que todos devemos olhar e é para eles que todo o apoio será pouco.

O jovem Pedro pergunta-me se esta não será, também, «uma oportunidade…?». Uma oportunidade para se tratar a serra de outra forma, de reflorestar com espécies autóctones, de se fazerem trilhos que valorizem o ambiente, de se olhar para a fauna e a flora como uma riqueza cultural e de biodiversidade que todos possamos cuidar. Pode ser… Os jovens confiam sempre no amanhã. Ainda bem! Mas a história é madrasta no rescaldo de cada fogo. A serra ardeu e ficou ao abandono imensas vezes. A renovação é natural, enquanto houver sementes na terra, às primeiras chuvas as plantas nascem. Mas desta vez esperamos que não seja assim. Esperamos que se limpe o material queimado e as cinzas que correm para as linhas de água (com a expansão de palha), se contrarie a erosão, se plante ordenadamente, se invista no futuro. A Serra da Estrela não é apenas a maior serra portuguesa, é um pulmão e um parque natural de excelência, é um espaço de enorme beleza natural e um centro de vida e atividade económica, que não basta preservar, tem de ser elevado como zona de excelência, sustentável e atrativa, que gera rendimento e vida.

Um fogo é sempre uma tragédia, independentemente da sua dimensão ou das consequências diretas do que destrói. O fogo imenso que tristemente destrui o verde da serra, foi um flagelo, mas não foi o «maior das últimas décadas», como ouvimos a alguns responsáveis, nomeadamente o presidente da Câmara da Guarda. Foi grave, mas, felizmente, não foi como a tragédia que em 2017 percorreu a região Centro, com a morte de mais de 100 pessoas e quase 500 mil hectares de área ardida – no fogo de 17 de junho (Pedrógão) morreram 64 pessoas e no de 14, 15 e 16 de outubro perderam a vida 50 pessoas nos seis distritos da região Centro e arderam perto de 1.500 casas e cerca de 220.000 hectares de território. Mas o que não queremos é que se repita a atuação dos governos (central e local) de forma desordenada, lenta e sem uma colaboração entre todos, com polémicas fúteis e muita desorganização. O Governo veio, de forma musculada, reunir com os autarcas (em Manteigas) e mostrar que quer que a intervenção seja rápida e assertiva. Esperemos que sim. A natureza não espera, ou recuperamos a serra da Estrela de forma ordenada e sustentável ou a flora irá renascendo sozinha, de forma desordenada e exposta a novos fogos nos próximos anos.

PS: Para lá da consternação e o flagelo dos fogos, a região voltou a viver este verão a alegria das festas populares.

Se o regresso das festas à Guarda se celebra, ainda que se tenham limitado a três noites de espetáculos musicais, por toda a região o silêncio da pandemia deu lugar à intensidade das festividades: enquanto em Pinhel se vivem por estes dias a Semana Grande de Festas, com as comemorações dos seus 252 anos de elevação a cidade, foi a retoma da Feira de S. Bartolomeu e as Festas da cidade de Trancoso que marcam este verão na região.

E de forma superlativa, o espetáculo de Pedro Abrunhosa – quase três horas de um grande concerto, cheio de energia, de melodias e mensagens, de poesia e palavras, de luz e som – numa noite em que o músico assumiu as suas origens beirãs, pois «metade da minha família é de Momenta da Beira e a outra metade é dos Gatos e Foz Côa», num momento carregado de intensidade e ligação a um público fiel e rendido que cantava em coro todas as músicas. Foi assim em Trancoso, na noite quente e memorável do passado dia 19.

Sobre o autor

Luís Baptista-Martins

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