Depois de uma semana verdadeiramente alucinante para o país, vamos percebendo que, como de forma aquiliniana escreveu J. Rentes de Carvalho, este é “O País do Solidó” – «Crónicas de um país habitado por um estranho povo: os portugueses. São histórias reais de gente inventada e histórias inventadas de gente real, mulheres destemidas e homens combativos, mas também capazes de momentos desprezíveis e de atitudes medrosas. Corajosos e malandros, mentirosos, que fazem pela vida. Gente de carne e osso que aprendeu a desconfiar e a sobreviver num país do solidó…».
O tsunami político que levou à demissão do primeiro-ministro não é a judicialização do regime, mas parece. Não é apenas uma crise política, é o regime que ruiu, com prejuízo grave para o país.
A investigação pode não ter parido um rato, mas aparentemente tem pouco para justificar a queda de um governo. A Procuradoria-Geral da República (PGR) já devia ter explicado tudo, mas não explicou nada – e não há nada pior para o regime que este silêncio ensurdecedor (e que dizer sobre o putativo erro de identificação no último parágrafo de um comunicado mal-amanhado, que não sendo a principal razão da queda de um governo suportado por uma maioria absoluta foi mais um empurrão).
Não há dúvidas que quando há tantas suspeitas e desconfiança sobre o governo, em democracia, o melhor é irmos para eleições. E não há dúvidas que, depois de «tantos casos e casinhos», o governo de António Costa já não tinha margem perante mais uma investigação que envolve diretamente «o melhor amigo» ou o chefe de gabinete do primeiro-ministro – e os 75.880 euros que apareceram escondidos entre caixas de vinho e envelopes numa estante de um gabinete em S. Bento envergonham o regime e justificam per si a demissão de António Costa.
Mas, ainda assim, não podemos deixar de nos interrogar sobre o “poder” do Ministério Público (MP), que deteve durante uma semana o presidente da Câmara de Sines, porque, por causa de uma suposta influência, para fazer “andar” mais depressa um investimento de 3,5 mil milhões de euros, terá pedido um patrocínio de 5.000 euros para um festival de música… Diz-se que o investimento poderá estar agora a caminho de Espanha porque nenhum grande investidor internacional está disposto a esperar, como sempre se espera em Portugal, onde nada acontece e quando acontece é na base do favor, do nepotismo ou da corrupção… Mas, que autarca não pediria alguma oferenda ao dar um “empurrãozinho” a um investimento destes? Seria aceitável que um presidente de Câmara não procurasse celeridade num licenciamento que garante o futuro do concelho? E qual é o benefício pessoal de alguém que pede um patrocínio para um evento público? É tráfico de influência? Outra coisa é se houve um proveito pessoal, mas se houve tem de haver indícios fortes nesse sentido, senão não é admissível que se prenda alguém durante uma semana para depois não haver capacidade de provar nada contra esse cidadão. A denúncia, a cobiça, a inveja, a maledicência tão impregnada na sociedade portuguesa, não podem destruir tudo o que mexe – Portugal será sempre um país miserável enquanto nada andar sem um facilitador, umas prendas e alguma corrupção, mas também nada pode mudar sem a ajuda de quem tem algum tipo de influência e pode mudar o paradigma do atraso nacional.
Entretanto, dia 29 deverá ser aprovado o Orçamento de Estado (menos mal), depois sim, o governo é exonerado, fica em funções até que a solução governamental a sair das eleições de 10 de março seja empossada.
Até lá, João Galamba já se demitiu (porque o que nasce torto tarde ou nunca se endireita), Pedro Nuno Santos terá a sua prova de vida a tentar recuperar a credibilidade do PS, o PSD terá muito trabalho para aproveitar as circunstâncias e o Chega beneficia das debilidades de todos.
A sina de um país
“Os 75.880 euros que apareceram escondidos entre caixas de vinho e envelopes numa estante de um gabinete em S. Bento envergonham o regime e justificam per si a demissão de António Costa.”