A política e o realismo

“o Governo já mostrou que pretende resolver o problema, necessitando, todavia, para isso, de consensos alargados em nome do interesse nacional e da cidadania. “

Por força do mandato em que estou investido e das funções que desempenho enquanto deputado, sigo diariamente o que de essencial se diz nos meios de comunicação sobre política. E muitas vezes fico perplexo com a leviandade de comentários que parecem exigir à política o que ela não pode dar, ou seja, tudo aqui e agora. O céu na terra. Sabemos bem que a política democrática é um constante processo de negociação, lento, complexo e difícil. Ainda por cima cada vez mais as grandes decisões são colocadas a debate público, como acontece, por exemplo, com o pacote sobre a habitação. Mas também é verdade que fenómenos imprevistos podem alterar a programação estratégica do poder político, obrigando-o, pelo contrário, a respostas rápidas para resolver graves dificuldades que inopinadamente vieram afetar a cidadania. E não só as camadas mais vulneráveis, mas em geral toda a cidadania. Isso aconteceu com a pandemia e está agora a acontecer com a guerra na Ucrânia e seus efeitos sobre a economia real, designadamente ao provocar altos níveis de inflação e até mesmo uma inaceitável prática especulativa sobre os preços de todos os produtos. Encontrada uma justificação para desencadear uma escalada de preços, a tempestade inflacionista não tem parado.
Perante isto, o que é que o governo do PS tem feito? Tem, como teve no tempo da pandemia, procurado atalhar e minimizar os efeitos mais imediatos sobre as famílias economicamente mais frágeis, como o pacote de medidas que, continuando outras já tomadas, entrará em vigor em abril, mas procurando também intervir a fundo numa das questões mais complexas da nossa economia, a questão da habitação. Um problema antigo e de difícil solução. Pode-se criticar o Governo por ter contemplado medidas discutíveis (embora por isso mesmo tenha sido posto a consulta pública), certamente, mas o que não se poder dizer é que não se trata de uma séria tentativa de atacar a fundo o problema, quer com as propostas que estão em cima da mesa quer com o que resultará do debate parlamentar em sede especializada.
A situação que estamos a viver, designadamente com o aumento brusco das taxas de juro, aparentemente para combater a inflação, embora muitos digam que as causas se situam a montante e não a jusante, ou seja, ao nível do consumo, é muito difícil e está a exigir um enorme equilíbrio das decisões do poder político para combinar o combate à crise com a exigência absolutamente necessária de manter boas contas nas finanças públicas. Um exercício que não é fácil, que porque exige harmonizar uma política de forte intervenção financeira com a prudência necessária a não provocar o descontrolo das finanças públicas. O que é certo é que não é possível conseguir tudo ao mesmo tempo: baixa de impostos, apoios às famílias mais vulneráveis e finanças públicas sustentáveis, designadamente através de uma significativa redução do défice e da dívida pública, o que representará uma enorme poupança no serviço da dívida do Estado. Poupança esta que, depois, poderá ser canalizada para a economia real, para os serviços públicos e para o Estado Social.
O que não ajuda, deixem-me que faça aqui um desabafo, é uma política de informação que há muito tomou conta do “establishment” mediático e que tem visado de forma muito pesada e focada o executivo do PS, mais parecendo uma política informativa própria de um partido de oposição e até exercida por atiradores furtivos (“snipers”) ao alvo: os membros do Governo individualmente considerados. Por outro lado, também no plano institucional as coisas parecem não estar a seguir o rumo desejável, onde cada instituição desempenhe a sua função no respeito pela autonomia das outras instituições. Ou seja, o ambiente informativo e institucional não está a ajudar muito à superação desta difícil crise, tornando possível um urgente reajustamento programático que dê resposta estrutural às grandes questões que urge resolver. Refiro, a título de exemplo, a criação de um verdadeiro mercado da habitação que possa responder a duas exigências fundamentais: a redução dos preços de arrendamento pelo aumento da oferta de habitação para arrendamento e, como consequência, a baixa no preço das casas, por diminuição drástica da procura. Simples, claro, mas muito difícil de executar na prática. E o Governo já mostrou que pretende resolver o problema, necessitando, todavia, para isso, de consensos alargados em nome do interesse nacional e da cidadania. Consensos que, não significando ausência de controlo político e de desejável crítica construtiva da ação do Executivo, são sempre, todavia, imprescindíveis para levar a bom porto as políticas públicas, sobretudo as que são de carácter estruturante.

* Deputado do PS na Assembleia da República eleito pelo
círculo da Guarda e presidente da concelhia socialista da Guarda

Sobre o autor

António Monteirinho

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