O mar sempre foi maldição para a montanha. A epopeia dos Descobrimentos iniciou o processo histórico da litoralização da economia portuguesa. Foi épico e marcou o rumo da história, da política, da economia e da demografia em Portugal.
Daqui partiram os homens que aplainaram a madeira, que construíram as caravelas, que ergueram as velas, partindo, zarpando, para nunca mais regressar. Que séculos antes tinham trabalhado o ferro, afiado a lâmina e erguido a espada, para defender com a vida as fronteiras de Portugal.
O interior ficou sempre órfão dos seus filhos, transformado num cemitério de saudades, de sonhos desfeitos e de projetos adiados. Um êxodo que sangrou o interior, num processo contínuo, que tem séculos, de desertificação humana e recessão da economia.
Lisboa foi capital do reino, capital do império e é hoje sede de um poder centralista, egoísta, acéfalo, preconceituoso, sem consciência histórica, ignorante em matéria de ordenamento, descrente das potencialidades do interior. Vive bem, longe das nossas preocupações, que só revisita, em véspera de eleições, quando olha com evidente desagrado a outra face do país.
A problemática do interior nunca fez parte dos programas de Governo, dos acordos interpartidários, das questões de regime, das prioridades da política nacional. Para o interior usa-se geralmente o anúncio, que serve a propaganda e o responso que cauciona a boa fé das intenções.
Deste modo, a ilusão criada, assim artificialmente, não é mais do que a hipocrisia com que o poder de Lisboa nos trata e que nós aceitamos muito agradecidos, hábito que nos ficou da 2ª República. O recente episódio acerca da putativa intenção de abolição de portagens é paradigmático da suprema hipocrisia de quem propôs, de quem votou e de quem fingiu votar.
O recente anúncio de que Lisboa e Porto vão “roubar” deputados aos distritos do interior é um exemplo acrescido da hipocrisia do argumento da política centralizadora que temos, que é a causa da consequência que nos penaliza.
Somos vítimas de uma lógica de políticas tipo pescadinha de rabo na boca:
porque não temos aquilo que nos falta, vai continuar a faltar-nos aquilo que não temos. E nesta lógica de irracionalidade vamos morrendo cada dia que passa.
* Antigo presidente da Câmara de Trancoso e presidente da mesa da Assembleia Distrital do PSD da Guarda