De mansinho, o fim da greve dos motoristas de matérias perigosas chegou domingo, mas já estava há muito anunciado. Talvez até antes da própria greve ter tido início, sete dias antes.
Apanhado desprevenido em abril, o Governo preparou ao detalhe o embate com o Sindicato Nacional dos Motoristas de Matérias Perigosas (SNMMP) coliderado pela voz grossa de Pardal Henriques. O Executivo mobilizou-se “rapidamente e em força” para o confronto. Os serviços mínimos roçaram serviços máximos, a requisição civil teve bênção da PGR para ser inatacável e as forças de segurança (polícias e militares) entraram em campo para defender a normalidade.
Neste “todos contra o pardal”, a esquerda pouco ou nada fez e disse para defender o profanamente sagrado direito à greve, a direita esteve ausente (quer por férias, quer por mera inaptidão, se é que a primeira não é mero decurso da segunda) e o Presidente da República, tão receoso de movimentos inorgânicos, tomou a parte do primeiro-ministro.
Lado a lado com os patrões, António Costa isolou o sindicato de Pardal, que terminou o processo a chilrear fininho e a cantar uma vitória dos motoristas que ninguém vê. É certo que Costa e o Governo podem ser vistos como vencedores neste processo, mas assim sendo também a Antram ou os sindicatos que optaram pela via negocial terão de o ser.
Já os dirigentes do SNMMP são os rostos da derrota porque entraram na guerra com uma única arma em punho: desestabilizar e tornar o país caótico, de caminho infernizando a vida de famílias e empresas. Conseguiram assim a proeza de alienar qualquer tipo de apoio ou sequer simpatia que pudesse existir relativamente às suas reivindicações. E já se sabe, desde que Hitler abriu a frente de combate a Leste, não se vence uma guerra quando se luta sozinho contra todos.
Os vencedores maiores da contenda poderão ser todos quantos se opõem ao direito à greve. Como escreveu Ana Sá Lopes no “Público”, «a principal vítima de todo este processo foi o direito à greve». «Nada será como dantes. As greves em setores vitais – médicos, enfermeiros, transportes públicos – podem estar a caminho da extinção», concluiu em editorial.
Para justificar esta interpretação, Ana Sá Lopes recorre à entrevista do primeiro-ministro ao “Expresso”, quando Costa assume que, «no limite, pode não haver distinção entre limites mínimos e o serviço normal». Isto é, no limite o direito à greve pode ser o da greve mínima, possível desde que não cause transtornos.
Com o sindicalismo tradicional amolecido e em clara decadência, para a qual a geringonça teve contributo decisivo, vai continuar a ganhar força o sindicalismo independente e desalinhado face a centrais sindicais e prioridades partidárias.
A greve cirúrgica dos enfermeiros, financiada por “crowdfunding”, é exemplo do que veio para ficar e de quão mais difícil é enquadrar institucionalmente esse tipo de reivindicação, tantas vezes atreita ao modelo de atuação dos movimentos inorgânicos. À atenção de Marcelo!