A Guarda militar (1ª parte) – Regimento de Infantaria 12

Escrito por Francisco Manso

A existência de um exército permanente em Portugal remonta a D. Sebastião, quando, em 1570, criou as Tropas de Ordenanças. Até lá havia grupos de tropas, que reuniam esporadicamente, e apenas em caso de necessidade. Curiosamente, a Marinha Portuguesa é anterior ao Exército, e é a mais antiga do mundo com existência ininterrupta.
Só com as guerras da Independência, em 1640, se pode dizer que o “Exército” foi definitivamente organizado, sendo criados os Terços, baseado no “tercio” espanhol, contra os quais, afinal, nos iriamos bater. Nasceu uma nova organização militar e as forças terrestres passaram a ser chamadas de Exército.
Em 1707, os Terços dão lugar aos Regimentos com o nome da terra onde estavam aquartelados, e depois com numeração seguida.

O Regimento de Infantaria 12: Breve cronologia

Guarda, 1886. O militar sempre presente. D. de Joaquim Manuel Correia

Guarda, 1886. O militar sempre presente. D. de Joaquim Manuel Correia

O Regimento de Infantaria 12 teve origem no Terço de Chaves, constituído durante as Guerras da Restauração.
Em 1801 a guerra com Espanha estava eminente, o Marquês de Alorna passa a assumir o comando das tropas da Beira.
Em 1807 dão-se as invasões napoleónicas e Junot procura desfazer a resistência portuguesa desmantelando o exército. A infantaria portuguesa que era composta por 24 regimentos passou a ter só 6. Desta triste tarefa foi incumbido o mesmo Marquês de Alorna. É nesse contexto que o Regimento de Infantaria nº 12, como desde 1806 tinha passado a denominar-se, foi dissolvido no Porto.

Parada do quartel, em princípios do séc. XX. Col. Ana Manso

Em 1808, também com o objetivo de enfraquecer a resistência portuguesa, Napoleão mandou organizar a chamada Legião Portuguesa. Era composta por 9.000 homens, dos melhores da nação, comandada pelo Marquês de Alorna, que seguiu a toda a pressa para França. Da Guarda, Álvaro Xavier Póvoas, então coronel e futuro general, era um dos seus chefes, mas o seu regimento não chegou a organizar-se. A ideia era afastar para longe os melhores soldados e os chefes mais conhecidos.
Durante a guerra civil o RI 12 seguiu o derrotado partido de D. Miguel, de forma que, em 1834, com a Convenção de Évora Monte, teve que depor as armas e foi dissolvido.
Em 1837, em consequência da vitória dos Liberais, dá-se uma grande reorganização do Exército, tendo a infantaria deixado de ter regimentos e passado a organizar-se em batalhões independentes. No entanto, pouco depois, em 1842, a infantaria voltou a ser organizada em regimentos, sendo reconstituído o Regimento de Infantaria 12, em Castelo Branco, mas sendo dissolvido logo a seguir.

Marquês de Alorna

O Regimento de Infantaria 12 na Guarda: Principais acontecimentos

Em 1846, o Regimento de Infantaria 12 é definitivamente reorganizado e instalado na Guarda. O local escolhido foi o Convento de S. Francisco, que tinha ficado devoluto após a sua extinção em 1834. Era um conjunto de edifícios, contruído ao longo de séculos, em cujo claustro «desaguava uma fonte de água, fria, muito leve e diurética, com benefícios para problemas de estômago», como nos diz Francisco da Fonseca Henriques (“Aquilégio Medicinal”, 1726).
Ainda nesse ano, e em plena guerra civil, o RI 12, comandado pelo tenente coronel Horta, aderiu à revolta da Junta Governativa do Porto. Saiu da Guarda, atravessou as serras que estavam cobertas de neve e entrou em Coimbra, onde foi recebido com todo o entusiasmo. Dali seguiu para Santarém juntamente com os revoltosos comandados pelo conde das Antas, que seriam derrotados.
A 3 de janeiro de 1847, Álvaro Xavier Coutinho e Póvoas, natural da Guarda, é nomeado comandante militar das duas Beiras.

Em 1848, por motivos políticos, o RI 12 teve que sair para Lisboa, sendo substituído na Guarda pelo Batalhão de Caçadores nº 2.
Em 1872 rebenta a guerra carlista em Espanha e o RI 12 vai fazer parte do cordão de segurança da raia.
Em 1884 ocorre um grave surto epidémico, mais uma vez vindo de Espanha. Foi percorrendo e devastando aquele país, dirigindo-se para Portugal, e uma das soluções encontrada foi criar um cordão sanitário que ninguém pudesse ultrapassar.
Era uma medida considerada desumana, sendo necessário recorrer a forças militares para a fazer cumprir, sendo mobilizado o RI 12, entre outros.
Os soldados isolados e abandonados nos seus pequenos abrigos, dedicavam-se eles próprios ao contrabando e, por vezes, ao crime. Foi nesta situação de completo abandono e desmoralização que um soldado do RI 12 matou a tiro uma rapariga de Aldeia do Bispo (Sabugal), um local distante e quase ermo, junto a Espanha, mas onde havia bons lameiros. Ele estava de vigia, ela tinha ido tratar da sua vida do campo. Foi assassinada a tiro depois de uma tentativa de violação. Em 1855, o soldado foi exautorado e condenado em tribunal militar a 22 anos de degredo.
Em 1891, quando ocorre no Porto a revolta de 31 de Janeiro, o RI 12 partiu para Aveiro a fim de suster os revoltosos. Pinto Balsemão estava no Porto e teve que fugir saltando por uma janela. Sufocada a revolta, parte do regimento foi tomar conta do chefe dos revoltosos, o capitão Leitão, e levá-lo para o Porto.

O forte do Marquês de Alorna

Em 1801, as nossas relações com Espanha estavam à beira do conflito, o Governo preparava-se para a guerra e escolhe o marechal de campo Marquês de Alorna para “governador” de armas da Beira. Estudado o terreno, escolheu um local, sobranceiro a Maçainhas e Vale de Estrela, onde mandou construir um forte com casamatas à prova de bomba, aproveitando a sua magnifica posição para evitar o torneamento pelo sul das fortes posições da Guarda. No local já teria havido em tempos

Manuel Caroça, médico aos 23 anos. Maria João Lopo, O Bisavô.

antigos uma fortificação: o Forte Velho. Para maior rapidez na execução das obras foi utilizada pedra das muralhas da cidade. Foi o começo da derrocada, mas outras se seguirão. Foi nesta guerra inglória que perdemos a praça de Olivença.
Em 1811, o forte irá desempenhar um papel importante no combate da Guarda e na perseguição das tropas francesas às ordens de Massena pelo exército anglo-luso.
Num sentido inverso, com a pedra resultante da demolição desta fortaleza foram construídas em 1878 novas enfermarias do Hospital da Misericórdia e vários edifícios particulares.

 

Carreira de tiro

A carreira de tiro do Regimento de Infantaria 12 tinha duas, foi iniciada em 1801, mas só será concluída em 1890. Na altura, segundo o General João de Almeida, ainda existiam três baluartes quase intatos e o pano completo de muralhas do lado nascente, com várias casamatas abobadadas, onde alojavam as forças que ali iam receber instrução. Em finais dos anos 30 do séc. XX apenas restavam os alicerces de um pedaço de muro do lado nascente, uma parte do baluarte norte, parte das muralhas do lado poente sobranceiro a Maçainhas.
Depois de alguns anos de inatividade reabriu, em 2009, para fechar dez anos depois. A atual carreira de tiro foi inaugurada em 2024.

A Guarda, a Quinta da Alorna e o Forte do Marquês de Alorna

Prof. doutor Fausto Lopo de Carvalho

D. Pedro de Almeida, 1º Marquês de Alorna, e avô da poetisa Alcipe, foi o fundador desta quinta maravilhosa.
Em 1843, as propriedades pertencentes à casa de Alorna foram vendidas ao Barão da Junqueira, José Sampaio, bancário e industrial, que vieram a passar para D. Emília Angélica Monteiro Sampaio, Condessa da Junqueira, que a administrou com grande talento. Após a sua morte, em 1913, não deixando

descendentes, a quinta foi herdada por seis herdeiros, que a venderam, entre outros, a Manuel Caroça, que pouco depois passou a único proprietário.
Presentemente, continua a ser uma empresa da família Lopo de Carvalho. Uma ligação à Guarda, quase, improvável!

A família Caroça

Manoel da Fonseca Caroça nasceu a 17 de setembro de 1871 na freguesia de São Vicente, Guarda, sendo filho de Manoel Ignácio da Fonseca Caroça, da Mizarela, e Leopoldina Cândida, de Freixeda do Torrão.
Depois dos primeiros estudos na Guarda, veio a formar-se em Medicina pela Escola Médico-Cirúrgica de Lisboa.
Casou com Virgínia d’Abreu, de quem teve, entre outros, Fernanda Abreu Caroça (1898-1987), que veio a casar com o professor Fausto Patrício Lopo de Carvalho (1890-1970), um dos mais ilustres médicos do país, por sua vez filho do prestigiado médico Lopo de Carvalho.
O casal teve três filhos que o avô, Manuel Caroça, tornou herdeiros da Quinta da Alorna ainda em vida. A família continua a manter ligação à Guarda, Pero Soares e Mizarela. Veja-se o romance “O Bisavô”, de Maria João Lopo de Carvalho.

 A tal fonte milagrosa. SIPAFOTO

* Investigador da história local e regional

Sobre o autor

Francisco Manso

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