A gota

Escrito por Tânia Ferreira

A gota é uma apresentação singular de um distúrbio do ácido úrico, sendo esta patologia conhecida na história da humanidade e da medicina desde tempos imemoriais.

Trata-se de uma forma frequente e complexa de artrite que consiste na inflamação articular ou peri-articular desencadeada por cristais de monurato de sódio. É mais frequente no género masculino e tem início habitualmente entre os 40 e os 60 anos, podendo ter predisposição familiar. A obesidade, a hipertensão arterial, a hipertrigliceridémia e a insuficiência renal aumentam o risco do seu aparecimento. Raramente afeta as crianças e em jovens está muitas vezes associada a alterações genéticas.

A crise aguda instala-se de forma abrupta com inflamação de apenas uma articulação, com dor intensa e sinais inflamatórios exuberantes como calor, rubor e tumefação. As articulações mais atingidas são as dos membros inferiores, sobretudo a do primeiro dedo do pé, seguindo-se os tornozelos e os joelhos. A crise cede espontaneamente ou com medicação, em dias ou semanas, ficando o doente assintomático.

Uma minoria evoluirá para a gota crónica tofácea, na qual cristais se depositam nas articulações causando progressiva destruição articular e formação de tofos.

Diversas doenças podem apresentar-se de forma semelhante, sendo essencial o diagnóstico correto. A história clínica e o exame médico são extremamente sugestivos e a identificação dos cristais permite o diagnóstico exato. Avaliar os níveis de ácido úrico é importante, podendo, no entanto, estar normais durante a crise. Exames de imagem permitem avaliar o dano articular.

O tratamento de fase aguda consiste em anti-inflamatórios, como a indometacina, e repouso articular. A colchicina poderá ser utilizada, embora se associe frequentemente a efeitos adversos gastrointestinais. O alopurinol, não tendo papel no alívio agudo, deve ser iniciado na fase controlada e utilizado de forma crónica.

Alterações na dieta são muito importantes, devendo ser evitadas bebidas alcoólicas e açucaradas e limitadas as quantidades de carne e marisco. Reforço hídrico, dieta equilibrada, perda de peso e correção de obesidade são fatores protetores. Em caso de incerteza diagnóstica, crises recorrentes, difícil controlo ou intolerância ao alopurinol deve recorrer-se a um especialista.

Perceber e tratar a gota, por muitos considerada a Némesis da longevidade, foi um desafio constante ao longo da história da medicina. No entanto, através do progresso, veio a tornar-se numa das artrites melhor compreendidas, permitindo uma visão mais otimista desta patologia.

 

* Médica interna de Medicina Geral e Familiar na USF “A Ribeirinha”/ orientadora Dra. Marina Ribeiro

N.R.: A rubrica “ABC Médico” é da responsabilidade do grupo de Internato Médico da USF “A Ribeirinha”, da Unidade Local de Saúde da Guarda, e pretende aumentar a literacia em saúde na área do distrito da Guarda. O objetivo desta coluna mensal é capacitar a comunidade a fazer parte integrante do seu processo de saúde/doença, motivando-a para comportamentos de vida saudáveis e decisões adequadas. Para tal, serão escolhidos temas pertinentes que serão apresentados por ordem alfabética, daí a designação “ABC Médico”.

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Tânia Ferreira

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