A falta de vergonha da Igreja

“A posição ziguezagueante, ambígua e amoral dos bispos portugueses é intolerável e determina o fim da Igreja Católica como referência moral”

A forma como os bispos portugueses estão a lidar com a revelação de abusos sexuais por parte de alguns sacerdotes é lamentável. Se durante anos muitos fecharam os olhos e assobiaram para o lado; se as vítimas ficavam em silêncio por vergonha; se perante pequenas denúncias envergonhadas a sociedade encolheu os ombros e nada fez; se o poder da Igreja silenciou tudo e todos; se durante dezenas de anos o sofrimento foi individual, das vítimas, e ninguém teve a sensatez de parar os agressores e abusadores, escondidos por detrás do hábito, da insensibilidade ou do “Vai que estás perdoado”, chegou o tempo da sociedade se revoltar e exigir a investigação civil, a eventual criminalização e julgamento dos abusadores – o abuso contra crianças não pode prescrever e não pode ser relativizado!
A Conferência Episcopal Portuguesa já tinha perdido uma oportunidade, em conferência de imprensa, de recuperar a sua dimensão de referência moral na sociedade portuguesa – na verdade, deu um golpe profundo no contrato de confiança construído ao longo de centenas de anos. Mas as palavras do cardeal-patriarca de Lisboa, D. Manuel Clemente, mataram qualquer esperança de encontrar na atual Igreja Católica portuguesa um pouco de luz, de moralidade e compaixão. Ou de empatia para com as vítimas. Tudo ao contrário do que durante centenas de anos foi ensinado na catequese, na doutrina ou nos ensinamentos da Igreja. Manuel Clemente sustentou que os padres suspeitos de abuso sexual de crianças não podem ser suspensos, ainda que preventivamente – felizmente nem todos pensam assim na Igreja portuguesa e o Bispo de Braga já veio contrariar essa tese e o reitor do seminário maior de Coimbra, o padre Nuno Santos, esclarece que «há diretivas objetivas do papa Francisco, que ditam que, quando um sacerdote é acusado e essa acusação é objetiva e tem fundamento forte, esse padre deve ser retirado automaticamente de funções». Ou seja, a maioria dos bispos portugueses não vê razões de índole moral para suspender (e até proteger) aqueles que são suspeitos de abusar de crianças e de crianças que estavam à sua guarda… e concluem que só devem atuar perante a evidência legal ou criminal.
A mesma interpretação, de muito dos bispos portugueses, terá o Bispo da Guarda. Manuel Felício decidiu manter em atividade o pároco de cinco paróquias de Figueira de Castelo Rodrigo, que está a ser investigado após denúncia num dos testemunhos validados pela Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica. Lamentável. Mas não surpreendente. O Bispo da Guarda, que tinha ficado conhecido por ter dado guarida e apoio ao antigo vice-reitor do Seminário do Fundão, que viria a ser condenado em Tribunal a 10 anos de prisão pelo crime de abuso sexual de menores, volta a protagonizar uma história triste de falta de compaixão e pudor.
Como muito bem defendeu o movimento “Nós Somos Igreja” é «absolutamente fundamental» o afastamento preventivo dos padres suspeitos de terem abusado de crianças.
A posição ziguezagueante, ambígua e amoral dos bispos portugueses é intolerável e determina o fim da Igreja Católica como referência moral, como afirmou Paulo Mendes Pinto. Os católicos têm de exigir compaixão e não podem ser coniventes com os abusadores de crianças. E, por bom senso, em consciência, não podem tergiversar na condenação dos agressores. Pelo menos 4.815 crianças foram abusadas por membros da Igreja Católica em Portugal nos últimos 72 anos. Nada pode ficar como antes.

Sobre o autor

Luís Baptista-Martins

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