A estagnação de Lisboa e a falta de coesão territorial

“Os governantes e os economistas diziam que o efeito “spillover” faria o alastramento do enriquecimento e, assim, durante os últimos 30 anos, milhões e milhões de fundos de coesão, de apoios que a Europa enviou para o desenvolvimento de Portugal, foram desviados para a região de Lisboa. Não houve alastramento, houve abandono do país”

1. Em 2016 escrevi aqui (https://ointerior.pt/arquivo/exigir-a-descentralizacao/) sobre as propostas que o então ainda recente governo de António Costa tinha para a coesão territorial. Sobre o facto de “toda a gente” querer estar em Lisboa. Sobre a falta de planificação do país que determinou que tudo acontecesse à volta de Lisboa. E sobre o facto de milhões de euros serem todos os anos investidos em Lisboa em detrimento do resto do país.
O então designado arco metropolitano de Lisboa vai de Leiria a Sines, tem um quarto do território, mais de 40 por cento da população (quatro milhões de pessoas), 45 por cento das oportunidades de emprego e 45 por cento das exportações… Os governos escolheram a capital como a âncora de todo o território e, desde que há fundos comunitários, têm desviado fundos europeus para a região de Lisboa com o argumento de que cada euro investido seria mais rapidamente multiplicado e essa multiplicação arrastaria as regiões periféricas para um maior desenvolvimento. Os governantes e os economistas diziam que o efeito “spillover” faria o alastramento do enriquecimento e, assim, durante os últimos 30 anos, milhões e milhões de fundos de coesão, de fundos estruturais, de apoios que a Europa enviou para o desenvolvimento de Portugal, foram desviados para a região de Lisboa. Não houve alastramento, houve abandono do país. Não houve desenvolvimento das periferias, houve despovoamento e desertificação do Portugal profundo. E, estranhamente, não houve um levantamento do resto do país contra esta desigualdade, contra este centralismo e falta de coesão territorial, contra esta injustiça e falta de governação para o país. Houve algumas vozes que, pontualmente, defenderam a correção das assimetrias, como a de Miguel Cadilhe ou Álvaro Amaro. Houve alguns atos e medidas pontuais, como a fiscalidade de António Guterres. Houve alguns planos para a coesão territorial, para o interior ou para os territórios de baixa densidade, nomeadamente defendidos e promovidos por Ana Abrunhosa – que teve a coragem de assumir que temos de «gerir o declínio», porque o que já acabou não pode ser recuperado, não vai voltar a ter vida, e por isso assumiu que há partes de Portugal onde não se vai «recuperar população» e economia… Há mesmo planos do atual governo (que, em abono da verdade, tem tido mais preocupação com a coesão territorial do que todos os governos anteriores) que visam a correção das assimetrias, a coesão, o desenvolvimento de todo o território, mas não houve nunca a defesa de uma estratégia para o país como um todo. Há muitas medidas pontuais e muitas outras promessas de investimentos – por exemplo, na Guarda, continua-se à espera da instalação do Comando Nacional da Unidade de Emergência, Proteção e Segurança (UEPS) da GNR – mas cujo adiamento é o resultado da falta de capacidade de exigir e concretizar promessas (ainda que no caso da UEPS também se possa falar de falta de compromisso local).
Chegados aqui… leio com especial atenção a entrevista a Andrés Rodriguez-Pose (“Publico”, 8 de maio 2023), líder da comissão que está a repensar a política de coesão europeia pós-2027, que considera que o tal efeito “spillover”, sempre defendido pelos governantes portugueses para justificarem os milhões transferidos do resto do país para a região de Lisboa, não ocorreu, que «na maioria dos casos a descentralização em Portugal foi um desastre absoluto em termos económicos» e que «o nível de estagnação em Portugal tem-se concentrado em Lisboa e na sua envolvente». Segundo aquele responsável pela coesão europeia, Portugal ficou preso «na armadilha do desenvolvimento» desde logo porque colocou «todos os ovos no mesmo cesto (Lisboa)» e que o efeito “spillover” não deu resultados. São pois necessárias novas ferramentas que permitam resolver constrangimentos e permitam melhores políticas. Não basta continuar a haver programas de descentralização, tem de haver políticas regionais e transferências de recursos (financeiros e humanos) adequados. Mas isto tem de ser reivindicado a um novo nível. São precisos protagonistas e políticos que o reivindiquem de forma genuína, continuada e estratégica.

2. O Dia da Europa (9 de maio) teve na entrega do Prémio Europeu Carlos V a António Guterres (em Yuste, Espanha) um dos pontos mais altos. Mas o mais importante é a perceção de que a Europa vive um momento extraordinariamente difícil e desafiante, desde logo pela crise consequência da invasão da Ucrânia, mas também pela necessidade de se reinventar, de procurar novos caminhos e respostas para os diferentes reptos e provocações que enfrenta. Como bem referiu o presidente da República, «num tempo de incerteza, de imprevisibilidade e de crise, assume de sobremaneira importância» cuidarmos das nossas democracias. Ou, como diria Simone Veil, é nas mãos dos europeus que está o destino da Europa e o futuro do mundo livre.

Sobre o autor

Luís Baptista-Martins

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