Os preços dos bens alimentares dispararam por toda a Europa. Os governos tomaram medidas. Essas medidas poderão produzir o efeito desejado, mas, até pela sua própria natureza, terão um efeito circunstancial e efémero. No fundo, resumem-se a uma tentativa de remediar um problema enquanto se aguarda pela chegada de dias melhores.
Só soluções estruturais poderão garantir que os preços baixem e permaneçam baixos. Uma tal solução é a dinamização de circuitos de abastecimento local de alimentos. Estes circuitos encurtam a distância entre o produtor local e o consumidor local, envolvendo, no máximo, um intermediário (ligado ao setor do retalho ou dos transportes) entre ambos.
Ao suprimirem intermediários e rotas de transporte, os referidos circuitos geram automaticamente uma redução de custos. Essa redução vem adornada com uma auréola quase miraculosa, pois permite que os pequenos produtores locais aumentem os seus rendimentos ao mesmo tempo que os consumidores passam a pagar menos pelos produtos.
Favorecem, ainda, uma produção agrícola sustentável e uma alimentação saudável, quer por promoverem o cultivo e consumo de produtos endógenos e da época, quer por eliminarem os riscos de desperdício alimentar associados a cadeias de abastecimento que envolvem vários intermediários e rotas de transporte.
Além disso, estes circuitos convidam a um envolvimento ativo das comunidades que servem. Aqui se incluem o produtor e o consumidor, mas também os proprietários de estabelecimentos de restauração e do pequeno retalho, bem como os agentes que dinamizam os mercados semanais.
Com o tempo e com vontade política, esses agentes locais acabarão por chamar a si a decisão dos alimentos a produzir e as modalidades segundo as quais serão produzidos, distribuídos e vendidos. Assim se abrem as portas à consagração de uma genuína soberania alimentar, geradora de amplos benefícios para as comunidades, a democracia, o ambiente e a economia local.
O atual contexto socioeconómico parece ter alinhado os atros para que, de uma vez por todas, se aposte nos circuitos de abastecimento local de alimentos. Mas o certo é que, entre nós, pouco ou nada foi feito nesse sentido. Exceção feita aos que lograram transformar o “ganhar com a crise” numa rotina sazonal, todos saímos a perder.
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* Historiador e ex-vereador da Câmara da Guarda