A crise, o céu, as ilusões e a fé

Escrito por Jorge Noutel

“Do pouco que se vai conhecendo importa perceber que o governo do Partido Socialista é mais uma vez invariável na criação da ilusão de que o céu está logo ali ao virar da esquina.”

Quando escrevo esta crónica a maioria dos portugueses continua a desconhecer as reais consequências do Orçamento de Estado para 2023 sobre as suas vidas. O secretismo dos gabinetes, as reuniões das cúpulas partidárias, as reuniões da ilusória “Concertação Social”, as inúmeras declarações políticas de circunstância, pouco ou nada ajudam a esta compreensão.
Do pouco que se vai conhecendo importa perceber que o governo do Partido Socialista é mais uma vez invariável na criação da ilusão de que o céu está logo ali ao virar da esquina. E este ilusionismo está bem enquadrado por um estado de incertezas de 2023 ao nível da economia a nível nacional e internacional. Ninguém sério nas análises pode assegurar sobre isto o que quer que seja. A verdade é que o céu que tantos anunciam está carregado de nuvens, infelizmente sem chuva, mas com muita trovoada seca…
O Governo, para o próximo ano, projeta um crescimento de 1,3 por cento, um défice de 0,9 por cento e uma inflação de 4 por cento, assistindo-se também a uma redução da dívida para 110,8 por cento do Produto Interno Bruto (PIB). Tudo ilusões. Quem pode prever um crescimento de 1,3 por cento quando todos os analistas preveem que a economia portuguesa irá crescer um pouco mais de zero por cento, isto se não existir mesmo uma recessão? Lembrar, aqui chegados, que a maior economia da Europa, a alemã, vai entrar em recessão. Da Grã-Bretanha ninguém fala, apesar de caminhar no mesmo sentido. A França está em enorme convulsão e adivinha-se um Inverno repleto de lutas sociais. E a Itália? O desespero é tanto que se elegeu uma extremista de direita, em coligação com outros partidos nada recomendáveis, para governarem o país. A Europa mergulha, mais uma vez, numa grave e séria crise económica com consequências muito mais nefastas do que a última. Associado a todo este trágico cenário não esquecer que a Covid ainda faz estragos e que a guerra está aí para nos fazer lembrar que a destruição total do planeta é sempre possível, bastando que um qualquer louco se queira suicidar e com ele destruir toda a Humanidade.
Mas deixemos, para já, os cenários apocalípticos, embora possíveis, e voltemos à nossa comezinha e intramuros economia. O que leva o Governo a aceitar a premissa irrisória, anedótica até, da inflação nos 4%? Previsões do Banco Portugal? Mas o Banco de Portugal tem, cada vez que abre a boca, errado nas previsões da inflação! Quem pode acreditar em números que apenas servem propósitos políticos de um Governo que vive das ilusões que cria nos portugueses? A prová-lo está o facto de o Governo não referir, com a mesma pompa, de forma taxativa, que o valor da atualização para todos os escalões do IRS será de 5,1 por cento, e que este número servirá de referência máxima para os aumentos salariais. Quando pressentimos que o valor da inflação não vai ficar-se afinal pelos 4% prometidos, mas provavelmente chegar quase ao dobro desse valor, os salários nominais e os escalões de IRS aumentam, mas com uma inflação bem maior a redução dos salários reais será brutal.
Trata-se, na verdade, de uma falácia, a somar a muitas outras, de que é exemplo a hipócrita medida governamental de apoiar as empresas através de reduções no IRC, mas apenas se estas aumentarem os salários dos seus trabalhadores. Um “dejá vu” que beneficia sobretudo as grandes empresas corporativas. As pequenas empresas já vivem maioritariamente na linha vermelha do IRC e dificilmente podem aspirar a benefícios por esta via. No final, a sobrevivência dessas grandes empresas será feita à custa do sangue, suor e lágrimas dos trabalhadores, com valores de distribuição dos lucros e de aumentos dos Conselhos de Administração que não ficarão – aí sim – abaixo do valor da inflação. Ou seja, mais do mesmo. Dá-se a uns aquilo que se tira a outros!
Manifestamente, a redução continuada do poder de compra dos trabalhadores no ativo e dos pensionistas irá continuar a enviá-los para a miséria. E a miséria é, como se sabe, inimiga do desenvolvimento das liberdades individuais e do progresso social e bem-estar humano. O que por sua vez nos remete para o contrário da ilusão de um céu ao virar da esquina. Mas, como dizia alguém, a ilusão não passa de uma fé desmedida. E se há coisa que um Governo que confunde desejos com realidade bem sabe é que a fé é, para os crentes, tão inesgotável como o céu…

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Jorge Noutel

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