Em plena pandemia, com o país confinado, temos tempo mais que suficiente para assistir ao deplorável espetáculo em que se transformaram os debates televisivos e a uma mais que triste, pequena e vã campanha eleitoral, que só agora começou.
110 anos depois da instauração da República fica-se com a sensação que nenhum dos candidatos tem o perfil necessário para o lugar. Os debates foram confrangedores, não foram discutidas as competências presidenciais, bem como a interligação com os outros órgãos de soberania e o programa que cada um deveria apresentar. Em vez disso optou-se pela politiquice, ataque pessoal, o desbobinar de uns tantos lugares comuns dos programas dos partidos, como se de eleições para a Assembleia da República se tratasse. Para além disso, o destaque vai para a utilização sistemática, por parte de todos eles, da simples palavrinha com sete letras apenas: mentira.
Numa análise ao vocábulo, assim largamente utilizado, cumpre-nos dizer o seguinte:
Segundo um estudo da Universidade de Massachusetts, 60% dos indivíduos é incapaz de manter uma conversa por dez minutos sem proferir ao menos uma mentira quando o interlocutor é conhecido. Há assim uma escala que determina que a mentira seja descriminada em quatro valorações: branca, de bondade, compulsiva e patológica. Nietzsche explica: «Porque é que, na maioria das vezes, os homens na vida quotidiana dizem a verdade? Certamente, não porque um deus proibiu mentir. Mas sim, porque é mais cómodo, pois a mentira exige invenção, dissimulação e memória». Talvez por isso o mentiroso inicia a mentira com uma percentagem de verdade, dá-lhe corpo da mais pura mentira, terminando com outra tanta percentagem de verdade, fazendo jus ao poema de Aleixo. Ao filósofo grego Eubulides é atribuída a seguinte versão: «Um homem diz que está a mentir. O que ele diz é verdade ou mentira?». A mentira toma assim forma de estar, é bem tolerada, até algo incentivada, alimentando pequenas/grandes questões da sociedade em que vivemos.
Os políticos sabem isto. Acham que o rei vai nu, mas isso não os impede de utilizarem essa arma para romancearem, fazerem ficção, drama ou ser ainda fonte de inspiração seja lá bem onde for: no sítio do pica-pau amarelo, no espaço de Burantino ou no filme de Shrek, comportando-se como verdadeiros pinóquios, pois sabem que na prática a penca não lhes vai crescer.
Temos pela frente mais semana e meia de campanha, com todos os ingredientes para não ser esclarecedora, com protagonistas a assumirem o que efetivamente não são, havendo, isso sim, situacionistas, saudosistas, moços de recados, tiriricas, gajos a fazerem o frete de serem porreiros, palavrinhas mansas, nadadores/salvadores e lobos com pele de cordeiro.
A história destas presidenciais, ao que parece, não terá grande coisa para contar. É muito provável que o sucessor do atual presidente seja o recandidato presidente.
No entanto, no meio desta miséria franciscana em que se transformou esta eleição, com a falta generalizada de ideias, é necessário, urgente e imperioso afirmar que o resultado tem forçosamente de ter uma ponderada leitura política. Não vá o diabo tecê-las.
É que o regime permite que o vírus saído do escarro que a democracia deixou parir possa ter um resultado que afronte a liberdade que o 25 de Abril nos trouxe.
No dia 24 de janeiro é nossa obrigação utilizar a arma que está ao nosso alcance, o voto, defendendo acima de tudo o respeito que devemos continuar a ter para com o nosso semelhante, com as minorias, com a escola pública, com o SNS, com a Constituição, em suma, com o regime democrático em que, felizmente, vivemos.
Sim, é essa a leitura correta desta eleição. Estamos e vamos muito a tempo de impedir o avanço da intolerância, do ódio, do racismo, da xenofobia. Está na minha mão, na sua mão, nas nossas mãos…