A bênção das férias

Escrito por Carlos Peixoto

Em agosto nunca me apeteceu pensar muito sobre coisas sérias. Tirando os processos urgentes e os arguidos detidos que me obrigam a frequentar tribunais e a manter a rotina dos outros meses do ano, procuro ser um português suave. Com o país a banhos e as Jornadas Mundiais da Juventude a serem provavelmente o único tema politico-mediático desta semana, não encontro vontade nem espaço para mais nada que não seja falar a correr de um tema “levezinho”, mas muito tocante.

Discorrer sobre férias de Verão é o que me ocorre, mesmo correndo o risco de ser injusto para quem não tem direito a elas ou as não pode gozar porque não ganhou para isso ou porque as poupanças que programou se esvaíram na subida da prestação do crédito à habitação ou nos sorvedouros que são hoje os postos de combustível. Mas para quem pode usufruí-las e as tem como uma interrupção do trabalho ou dos estudos, as férias são um autêntico bálsamo. É com elas e com o amor que nelas transportamos – e que pode ser uma pessoa, um livro, um objetivo, uma missão, uma conquista… – que sentimos que a vida é bela. Descanso, família, amigos, cultura, leitura, desporto, churrascos, praia, mar, piscina, campo, aventura, descoberta, sol, calor, copos, sestas, música, convívio, romarias, abusos ou, simplesmente, nada! Vale tudo o que nos apetecer, sem horários e sem os clássicos compromissos ou agendas com os outros ou com nós próprios.

Esta espécie de anarquia individual, que tanto apaixona quem no resto do ano tem de obedecer ao despertador, ao calendário, a prazos perentórios e a regras mais ou menos rígidas, não é, claro está, vivida por todos da mesma maneira. Uns têm uma imaginação pobre nos destinos e rica nos gastos. Outros preferem conhecer o mundo e a sua história num registo frugal, mas com uma riqueza sensorial ilimitada. Já vivi nas duas dimensões e não me canso de nenhuma. Não há nada melhor que beber uma caipirinha num catamarã nacional, uma imperial numa esplanada em frente ao Atlântico ou estar numa mesa cheia de amigos, ainda que “sazonais”, a rirem-se pela noite dentro. E não há também nada que se equipare a uma boa noite a cantar, a beber e a dançar sem filtros e até não poder mais em variados lugares deste nosso querido Portugal.

Mas também não há nada que chegue ao som dos “trolleys” nos aeroportos, ao ritual dos “check-in” e ao embarque num avião que nos leva pelos ares deste fabuloso e infinito planeta até pérolas que a nossa memória guarda para todo o sempre. As férias alimentam-nos o corpo e a alma e o pior que têm é o seu fim, porque quando ele chega precisamos de férias das férias que já não temos. Devíamos parar o relógio e durar mais cem anos só para não ter este sentimento e podermos ver o que não vimos e fazer o que não fizemos. Temos tempo para muita coisa. Para ser felizes, para ter filhos e netos, para nos cruzarmos com milhares de pessoas, para atravessarmos continentes e até para gastar naquilo que não precisamos. Mas a impressão que fica é que as férias precisam sempre de mais tempo, daquele que não tivemos para pisar e sentir um mundo a perder de vista. Embora andar por aí não seja coisa só de ricos, longe disso, todos deviam poder experimentar esta super sensação.

Parafraseando Joe E. Lewis, «você só vive uma vez, mas se souber viver direitinho, uma vez é o suficiente». Era mais ou menos assim que eu gostaria de viver. Não sei se direitinho ou não, mas com a convicção que, quando Deus me levasse, tinha as contas saldadas e sem dever nada aos anos em que cá andei. Já não irei a tempo, porque quanto mais vivo mais sinto que se soubesse o que sei hoje já teria feito a “route 66” nos EUA, atravessado o Chile e a Argentina de mochila às costas, coabitado com o lixo espalhado nas cidades indianas, conduzido no trânsito caótico das metrópoles chinesas, passeado horas a fio num comboio russo, sentido o calor insuportável do deserto do Sahara ou os perigos da selva amazónica, vivenciado a organização irrepreensível de Singapura, frequentado a exuberância do Catar e a competitividade do Japão ou, pura e simplesmente, “o dolce fare niente” das Maldivas ou o charme de Santorini. Não fiz nada disso, mas agradeço muito a bênção de ainda saber o que são férias e de ter capacidade para as gozar.

* Advogado e presidente da Assembleia Distrital do PSD da Guarda

Sobre o autor

Carlos Peixoto

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