Uma regeneração necessária

Escrito por Pedro Gadanho

«Numa região em viragem de ciclo, perante os vários caminhos possíveis e a coerção de inevitáveis transformações globais, um acontecimento de escala europeia devolverá à região o orgulho da sua identidade cultural»

Aniversário importantes, como os 821 anos da Guarda e os vinte anos do jornal O Interior, devem suscitar balanços importantes. Devem estimular uma reflexão sobre as últimas décadas, mas também sobre o tempo que aí vem. Para quem, como eu, partiu em tenra idade e agora encontra motivos para regressar à Beira Interior, a efeméride oferece uma oportunidade para avaliar as mudanças que ocorreram, registar os problemas que persistem e fazer notar o potencial de transformação que aqui se advinha.

O impacto positivo de duas ou três décadas de fundos europeus é notório para quem “redescobre” a região: infraestruturas rodoviárias, modernização, valorização do património natural e histórico, a afirmação dos polos universitários, mas também o lento retorno do investimento privado em áreas que vão da agricultura e do turismo, aos novos têxteis e às (ainda tímidas) startups tecnológicas.

No entanto, estes aspetos não travaram a perda de população, a carência de emprego qualificado, a fuga de talento e a míngua de “novos povoadores”. Entre os que ficaram grassou demasiadas vezes o nepotismo, a subsidiodependência e a perda de competências, criando impedimentos estruturais para uma evolução essencial. Feito o balanço, todos os concelhos continuaram a envelhecer e a perder gente ao ritmo assustador de 5 a 10% no último decénio. Esta é a realidade crua, que tem que ser alterada sob o risco de, um dia, o nosso interior não ser mais do que “uma reserva natural” em luta diária com as alterações climáticas.

Felizmente, os sinais de mudança estão aí. As mais recentes diásporas começam a voltar antes da idade da reforma – com o desejo de legados maiores do que uma “maison” de emigrante. Discretamente, como os “estrangeiros” que não são senão nossos concidadãos europeus, elas estão a criar quintas biológicas, a lançar projetos de perfil internacional, a criar comunidades alternativas. Outros, em face de novas “emergências” – desde a pandemia à crescente desigualdade económica, à pressão das grandes cidades ou à crise ecológica – estão a redescobrir o “apelo do interior”, às vezes por mera questão de sobrevivência. Se acreditamos nas estimativas das Nações Unidas, a estes vão ainda juntar-se parte dos trezentos milhões de migrantes climáticos que, em duas décadas, procurarão portos de abrigo nos vários “interiores” de uma Europa rica e relativamente protegida. Ou seja, existe agora um potencial real para inverter a curva demográfica e, pelo caminho, corrigir as proclamadas assimetrias do “investimento nacional” no Interior.

Porém, a transformação exige uma alteração de “mentalidades”. Pede superar os habituais bairrismos em direção a uma verdadeira cooperação intermunicipal com ambição metropolitana. Requer unidade e unanimidade. Pede um desconto às vociferações dos Velhos que, aparentemente, se mudaram do Restelo para a região. Ou seja, a possibilidade de uma mudança exige uma alteração cultural profunda.
Uma alteração cultural profunda não quer dizer deitar fora as heranças e os talentos locais. Não. Como na parábola, significa reinvesti-los em horizontes com futuro. E é aqui que entra o significado de ganhar a nomeação de Capital Europeia da Cultura em 2027. Porque um projeto destes não é, nos dias de hoje, concebível como o fogo-fátuo de meros eventos e celebrações. É antes entendido como um investimento estratégico que desperta e acompanha transformações estruturais à escala de uma região. Não traz apenas os 25 milhões que o Ministério da Cultura já prometeu à cidade portuguesa que ganhar esta Candidatura; traz também emprego em indústrias criativas, o crescimento exponencial da atividade turística, novas vozes, novos públicos, um legado de atração.

Numa região em viragem de ciclo, perante os vários caminhos possíveis e a coerção de inevitáveis transformações globais, um acontecimento de escala europeia devolverá à região o orgulho da sua identidade cultural. Permitir-lhe-á acreditar, de novo, num futuro resiliente e acolhedor. Com muitos a descobrir “o apelo do interior,” com Capital ou não, no que simboliza de aliança entre 17 concelhos, o projeto Guarda 2027 fará com certeza muita diferença.

Diretor executivo da Guarda 2027, Candidatura da Beira Interior a Capital Europeia da Cultura 2027

Sobre o autor

Pedro Gadanho

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