Por entre o confinamento e os constrangimentos da pandemia do último ano, quase nem nos recordamos da Revolução dos Cravos que vamos comemorar no próximo domingo. Mas, nem mesmo a tragédia universal que tem sido o novo coronavírus pode desligar-nos das comemorações de um dia notável e marcante na história contemporânea de Portugal. No próximo domingo celebra-se o dia da Liberdade, e mesmo que pareça uma data longínqua e cada vez menos presente na vida das pessoas, não podemos ignorar o país que éramos e como vivíamos. Naturalmente que é o presente e o futuro que nos preocupam, mas as conquistas de Abril não podem e não devem ser esquecidas, mesmo que já tenham passado quase 50 anos. Então vivíamos num regime opressor, sem liberdade, sem liberdade de expressão, com presos políticos, com tortura, censura, isolamento internacional e em guerra – a guerra colonial (que de resto foi o âmago da contestação e precursora da revolução). 47 anos depois o 25 de Abril tem de ser recordado; 47 anos depois o 25 de Abril tem de ser celebrado!
Hoje, afortunadamente, a sociedade portuguesa é inexoravelmente diferente e assumiu os valores, as conquistas e os pressupostos que a metamorfose revolucionária defendeu: uma sociedade moderna, cosmopolita, universalista e democrática – seria impensável vivermos num regime diferente. E sendo certo que por estes dias ouvimos lamentos porque houve metas que não foram alcançadas; ou ouvimos tantas vezes os desiludidos de abril; e ouvimos muitos clamarem que “o 25 de Abril não foi feito para isto”… Mas foi. Foi feito para podermos ter opinião diversa (até para criticarmos a Revolução ou o que ela significou ou o que dela resultou), para podermos falar sem receios, para defender a nossa opinião sem medo, para criticarmos e levantarmos a voz contra as injustiças, para clamar contra a soberba dos poderes… 47 anos depois, a liberdade de expressão é uma realidade, mesmo quando há momentos em que o poder e os interesses instalados querem calar os que falamos e escrevemos contra a partidocracia, o amiguismo ou a corrupção (a maior chaga da Democracia) – e por isso Portugal está entre os 10 países no mundo com mais respeito pela liberdade de expressão.
Recordar o 25 de Abril é homenagear todos os que fizeram a Revolução e é também recordar todos os que deram a vida pela liberdade, os que lutaram pela mudança e os que construíram a Democracia (é não deixar esquecer que «Mesmo na noite mais triste/em tempo de servidão/há sempre alguém que resiste/há sempre alguém que diz não» – Trova do Vento que Passa, de Manuel Alegre).
Comemorar Abril é recordar os militares que nessa madrugada se sublevaram e tombaram um regime caduco e podre, mas é também prestar homenagem a todos os protagonistas da história dos 47 anos de um Portugal diferente. De Salgueiro Maia a Otelo, das Forças Armadas a Spínola. Mas também Ramalho Eanes, Álvaro Cunhal, Freitas do Amaral e Amaro da Costa, Sá Carneiro, Lurdes Pintassilgo e tantos outros que em algum momento da história contemporânea portuguesa tiveram a responsabilidade de contribuir para as pequenas e grandes mudanças que o país viveu. E os heróis anónimos, os muitos portugueses que em Abril saíram à rua, que aplaudiram os militares e animaram a mudança. E acima de todos, o que viria a ser a maior figura destes 47 anos: Mário Soares, que, muito para além das apreciações pessoais, foi a figura maior da concretização da utopia do 25 de Abril – a Democracia, a liberdade, a integração de Portugal na Comunidade Europeia, o Portugal moderno…