«Cheguei a este Regimento em 21 de Março de 1974 vindo do CIOE [Lamego], donde fui transferido após o movimento das Caldas da Rainha. Pouco tempo depois da minha apresentação reatei a ligação com o Movimento através de contactos com oficiais do RI 14, de Viseu, e com o oficial de ligação do quartel-general da Região Militar do Centro. Após o estudo da situação e com base ainda em elementos que me foram transmitidos, conclui da dificuldade de fazer aderir de imediato esta Unidade a qualquer movimento que se viesse a verificar, conforme previa, conclusão esta que transmiti aos oficiais do RI 14. As razões que me levaram a tais conclusões foram:
1º – O facto de quer o comandante da Unidade [coronel António José Ribeiro] quer o 2º comandante [tenente-coronel António Jorge Teixeira], pernoitarem sempre no quartel e com armas no quarto;
2º – O facto do comandante haver sido punido pelo General Spínola na Guiné, não o aceitando de forma alguma para chefe do Movimento;
3º – O facto do 2º comandante não aceitar também o General Spínola para chefe do Movimento, pois não lhe tolerava atitudes que, disse, ele tomara na Guiné;
4º – O facto do comandante da unidade haver sido um dos que afirmara ao seu General Comandante da Região cem por cento de lealdade do Regimento;
5º – O facto de, no Regimento, ser o único oficial ativo do Movimento, dado que o capitão Alcino Pina, que tinha aderido, não ser pessoa para atitudes de força contra o seu comandante em consequência da grande amizade que os ligava;
6º – O facto de no campo da mentalização das praças, sargentos e oficiais pouco se ter feito até à altura em que cheguei ao Regimento.
Em consequência destas razões afirmei não poder garantir a adesão imediata da unidade a qualquer movimento, mas que estava dentro das minhas possibilidades, após a eclosão do Movimento:
Não permitir a saída de tropas contra o Movimento garantindo assim, no mínimo, a neutralidade do Regimento;
Aproveitar a reação natural do comando, mesmo contra o Movimento, e invertê-la levando-a a ser favorável a este.
Desde que cheguei ao Regimento dediquei-me a uma mentalização sobre oficiais, sargentos e praças.
Evolução dos acontecimentos:
Embora previsse para breve a eclosão dos acontecimentos, fui surpreendido às 21h15 do dia 24 pela presença do oficial de ligação do RI 14 que me confirmou para aquela noite o início das operações. Dado o adiantado da hora fui com ele de automóvel até Viseu e pelo caminho tomei conhecimento dos pormenores. Em Viseu tomei nota dos mais importantes e fiquei a saber que a missão do Regimento era marchar para Vilar Formoso, encerrar a fronteira e impedir a fuga de elementos afetos ao regime deposto. Como o Capitão Pina se encontrava ausente em Pinhel, fui nessa mesma noite contactar com ele e acertar procedimentos. Tinha resolvido prender o Comandante e o 2º Comandante, mas tinha muitas dúvidas sobre a forma como o haveria de fazer.
Em conversa com o Capitão Pina, este surpreendeu-me com a sugestão de não dar execução imediata à missão recebida e aguardar que o Comandante tivesse conhecimento dos factos a ver se se conseguia a sua adesão. Muito embora contrariado, aceitei a sua sugestão pois concluí que, sozinho, para já, nada poderia fazer e que, por outro lado, de tal decisão não resultaria prejuízo para o Movimento uma vez que a missão do RI 12 não era decisiva para o início dos acontecimentos. Eram 3h00 do dia 25 quando entrámos os dois na unidade e aguardámos pela manhã. Logo que tive a certeza que o comandante fora informado pelo quartel-general, falei com ele expondo tudo o que sabia e que não comprometia o Movimento, sugerindo-lhe a sua adesão e fazendo-lhe ver mesmo que a missão que fora atribuída ao Regimento poderia ser por ele cumprida sem se comprometer com a Região Militar, uma vez que, dado que esta não lhe dava quaisquer instruções, poderia alegar, qualquer que fosse a marcha dos acontecimentos, que tomara aquela atitude como simples medida de segurança.
Entretanto verifiquei que o comandante mandara armar, municiar, equipar e preparar para sair a Companhia Operacional. Contactei então com os comandantes de companhia e pelotão, narrei-lhes os acontecimentos e pedi-lhes para, caso o comandante lhes desse ordem de marcha, seguirem para Vilar Formoso e cumprirem a missão que o Movimento incumbira a este Regimento. E avisarem-me assim que a companhia estivesse pronta, dizendo-lhes que poderia ter que prender os comandantes, caso não aderissem com oportunidade ao Movimento, ao que me deram todo o seu apoio.
Em conversa havida com os dois comandantes, cerca das 10 horas do dia 25, obtive a certeza de que estes não adeririam ao Movimento enquanto a situação não se definisse melhor. Concluí, pois, que se queria cumprir com oportunidade a missão recebida, teria de os deter. Um rápido estudo da situação levou-me a concluir que após a segunda refeição seria a melhor oportunidade para executar a prisão, uma vez que os dois nessa altura se encontrariam juntos, longe da presença de qualquer sargento ou praça, de cujo comportamento ainda se duvidada. Resolvi prendê-los então e montar guarda à messe de oficiais com os aspirantes a oficial que frequentavam a Escola de Quadros e que tinham armas na messe. Uma conversa rápida com eles garantiu-me a aprovação do plano e a sua fácil e rápida execução, mandando então que fossem levantar munições.
Durante a segunda refeição confirmei, mais uma vez, que o comando continuava leal à Região Militar e que só aderiria ao Movimento quando tudo se esclarecesse. O 2º comandante apoiava o comandante. Finda a refeição, fui ao quarto, peguei numa pistola e dei voz de prisão aos dois. O coronel Ribeiro, após uma natural surpresa, acatou a intimação e não resistiu, mas o tenente-coronel Jorge Teixeira tentou resistir e avançou para mim pelo que tive que disparar um tiro para o chão para o fazer recuar. Ambos ficaram nos seus quartos com a segurança montada pelos aspirantes a oficial.
A companhia operacional encontrava-se já formada e pronta a partir pelo que, cerca de cinco minutos depois, saímos do quartel rumo a Vilar Formoso. Assumi o comando da força e o capitão Pina o comando da unidade. Mais tarde o comandante e o 2º comandante foram transferidos para o Hotel Turismo da Guarda, onde ficaram detidos sob sua palavra de honra. Marcharam em 26 de Abril para o quartel-general da Região Militar do Centro.
As forças policiais mantiveram-se nos quartéis.
Face aos acontecimentos pode concluir-se que o coronel Ribeiro aderiria ao Movimento, mas só quando tudo se esclarecesse e definisse. Aliás, quando a Junta de Salvação Nacional fez a sua primeira proclamação, teve a seguinte exclamação: «Agora sim, tudo está legal». O 2º comandante, tenente-coronel António Jorge Teixeira, teria tido grande influência na não adesão do comandante mais cedo. Todos os oficiais aceitam a atitude do comandante mas reprovam a do 2º comandante. Verificou-se a total e imediata adesão dos oficiais (à exceção do comandante), sargentos e praças do Regimento. No tocante a sargentos notou-se porém a reação contra o Movimento durante o dia 25 por parte do 1º sargento Lúcio Agostinho dos Santos.
A GNR manteve-se dentro dos quartéis até ao momento em que, já sob novo comando, retomou a atividade normal. A PSP idem. A Guarda Fiscal continuou a sua atividade normal na fronteira, não opondo qualquer resistência e afirmando que o que se passava não lhes dizia respeito. Quanto à Direção Geral da Segurança, entregou-se imediatamente sem oferecer a mínima resistência. Permito-me realçar a sua conduta, porquanto muitos elementos, estando em suas casas e sabendo que iam ser detidos se apresentaram imediatamente no quartel com as suas armas. Refiro ainda que os ex-chefes das brigadas de Vilar Formoso e da Guarda são pessoas estimadas na região.
Cabe no fim uma palavra para evidenciar a atuação dos aspirantes a oficial que frequentavam a Escola de Quadros, porquanto a sua atitude foi fundamental. Evidenciaram-se ainda os oficiais comandantes da companhia operacional e dos seus pelotões, pela energia e desembaraço com que atuaram. Realço também a conduta de todos os soldados, e em particular os da companhia operacional, porquanto não se verificaram hesitações algumas e mantiveram sempre o moral bastante elevado.
Guarda, 4 de Maio de 1974
Augusto José Monteiro Valente, capitão»