Cultura

A «curadoria do espaço público» pelas paredes da Covilhã

Escrito por Sofia Craveiro

O mais antigo festival de arte urbana do país regressou à Covilhã, trazendo consigo renomados artistas internacionais. O Wool Festival transforma as paredes da “cidade neve” numa tela em branco que vai sendo colorida com elementos que bebem da sua história e legado.

Ângela Ferreira é uma das intervenientes da transformação artística que acontece anualmente na Covilhã. Sob o nome Kruella D’Enfer, a artista portuguesa de 30 anos assina murais coloridos pelo mundo incluindo nas suas obras elementos relevantes para o local onde se inserem.

Este ano pintou a sua parede, na Covilhã, com a representação de uma janela manuelina existente na cidade. Incluiu a Serra da Estrela como fundo e adicionou elementos representativos, como novelos de lã. «A conjunção final sou eu a contar uma história às pessoas que vão depois reconhecer os elementos incluídos», refere a artista, que destaca a qualidade das expressões estéticas do Wool. «Acho que este festival é muito bom a nível da curadoria dos artistas, gosto do facto de não sermos mais de dez», adianta. Este facto é precisamente um dos aspectos mais cuidados pela organização. Lara Seixo Rodrigues, co-fundadora e responsável pela organização do Wool, confirma, referindo que «a curadoria é desde sempre uma preocupação nossa, a nível de artistas e também do espaço público». O motivo é evitar saturar a cidade de murais que, depois, não são devidamente apreciados.

«Há uma preocupação com o espaço público e com a arte. Será algo que muita gente vai ver, muitas vezes, e por isso não pode ser uma coisa pesada», justifica Lara Seixo Rodrigues. A responsável acrescenta que «sempre definimos que seriam quatro artistas, dois portugueses e dois estrangeiros», alegando que a junção «contribui para a internacionalização dos artistas portugueses ao mesmo tempo que trazer estrangeiros contribui para divulgar o território e a arte portuguesas». O cabeça de cartaz desta sexta edição é o espanhol Sebas Velasco. Reconhecido internacionalmente e com vários prémios, é a primeira vez que realiza um trabalho em Portugal. «Sou mais pintor do que muralista, pois sinto-me melhor no estúdio», afirma a O INTERIOR, explicando que nos seus murais utiliza como base fotografias de elementos ou pessoas locais. Na Covilhã retratou uma jovem, fotografada nas ruas da cidade (ver imagem), transformando a luz que incide sobre ela. «A Covilhã tem uma luz muito laranja ao fim do dia. Quisemos incluir isso no nosso mural, adicionando um elemento artificial», afirma o artista espanhol. Este elemento artificial é um carro, pintado na parede ao lado, também ele fotografado na Covilhã.

O Wool é responsável por mais de 30 murais de arte urbana realizados na Covilhã, cidade que, de acordo com a organização, é o «sítio ideal para fazer isto». Lara Seixo Rodrigues afirma que «a cidade tem uma geografia e geometria muito interessante para isto acontecer», o que se traduz «num bom enquadramento dos murais com os elementos arquitetónicos». Natural da Covilhã, a cofundadora do festival é atualmente uma das maiores curadoras e produtoras de eventos deste tipo em Portugal. Devido ao carácter internacional do seu trabalho, já viajou imenso e explica que «após trabalhar noutras cidades percebi que, na Covilhã, temos muitas mais áreas interessantes para explorar do que é habitual noutros locais».

 

«Gostamos de acreditar que conseguimos combater a interioridade com o Wool»

O carácter inovador do Wool Festival sempre acarretou dificuldades no financiamento e organização. Realizado desde 2011, este evento, que foi o primeiro do género em Portugal, chegou a ser suspenso por falta de financiamento. «A realização do Wool foi conturbada desde início. É um problema que existe, não só aqui, mas a nível nacional. Nunca apoiamos o que é nosso», lamenta Lara Seixo Rodrigues.
A cofundadora do festival conta que, na primeira edição, o evento resultou de uma candidatura submetida à Direcção-Geral das Artes, que assegurou parte do financiamento necessário. «Só depois fomos à Câmara da Covilhã para conseguir a restante parcela e que foi aprovada», recorda a responsável. Após o sucesso alcançado na estreia, as dificuldades mantiveram-se. «Em 2015, por exemplo, não tivemos apoio. Tínhamos economizado dinheiro da edição anterior e conseguimos voltar a trazer artistas de renome à cidade», recorda. Facto que não se verificou no ano seguinte, quando a organização não conseguiu os apoios necessários e o festival foi cancelado. A situação gerou alguma revolta por parte dos covilhanenses relativamente à autarquia, pois «as pessoas perceberam que era uma mais-valia, que era algo que animava a cidade», admite Lara Seixo Rodrigues.
Em resposta ao descontentamento foi depois aprovado, em Assembleia Municipal, que o Wool Festival teria o apoio da autarquia nos três anos seguintes, o que tem permitido a sua concretização até à data. Apesar de contar ainda com o apoio de empresas e estabelecimentos locais, que cada vez mais têm interesse em associar-se ao evento, Lara Seixo Rodrigues lamenta o facto de «não conseguimos nenhum apoio de uma grande marca por se realizar no interior». Apesar disso, a responsável, que não sabe qual o futuro do festival, diz que o «Wool é da Covilhã e da região» e com ele «queremos combater a interioridade».

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