P – É natural da Bendada (Sabugal), jornalista do “Expresso”, como vê a evolução da região?
R – Sou aquilo a que costumo chamar um “serranurbano”. Uma pessoa nascida e criada na serra e, por força das circunstâncias, migrada na cidade, neste caso na capital. Foi aqui que fiz a licenciatura em Comunicação Social, pois não havia mais nenhum sítio por onde escolher, e foi também aqui que me fiz jornalista. Naturalmente, que muito do que eu já era, então, o devia à minha vivência serrana. Sou um produto da terra, da aldeia, dos calhaus graníticos da serra e do conhecimento que fui recebendo dos mais velhos por quem fui passando ao longo das últimas décadas e com quem tive o privilégio de desfrutar de dias e dias a fio, ouvindo os seus relatos e os seus ensinamentos. Conheci uma região cheia de gente e de atividade económica intensa, mas muito mal remunerada, e onde grassava em paralelo uma pobreza envergonhada, que foi enxotando impiedosamente toda uma geração de gente em vida ativa para fora do país. Este mesmo país que não consegue segurar duas gerações seguidas. A segunda saiu [durante os anos 60 e 70] e a terceira foi criada com a primeira, ou seja, os netos entregues aos avós, enquanto os pais chafurdavam lá fora em busca de bem-estar económico e financeiro. E é curioso ver como hoje, meio século depois, este nosso país – e a nossa região incluída – continua a não conseguir segurar a geração “mais bem preparada de sempre”. Triste sina a de um país onde as elites políticas, que ditam a estratégia e o desígnio nacional, tardam em medrar. A nossa região tem agora autoestradas e linhas de comboio eletrificadas, Internet a cavalgar no 5G e, no entanto, não consegue estancar a sangria demográfica. Perde pessoas todos os dias. Na minha aldeia não nasce uma criança há mais de 12 anos e, no entanto, morre uma pessoa por mês, em média. Em 1960 tinha 1.800 habitantes, em 2023 tem menos de 200. Estatisticamente, a aldeia extinguir-se-á dentro de duras décadas. Será o fim de uma história que começou há mais de dois mil anos, com os nossos primos lusitanos – que, pelo menos, lutaram e deram a vida pela sua terra. A minha aldeia é uma espécie de retrato de toda a região da Beira Interior. Estamos sempre cheios de boas intenções, mas raramente passamos daí. Não que nos sirva de consolo mas, caros conterrâneos, o inverno demográfico avança em todas as frentes: a nível nacional e até europeu. Só mesmo a imigração nos poderá salvar. Resta saber se ainda queremos ser salvos.
P – Durante a pandemia trabalhou a partir da Bendada. A experiência fê-lo pensar regressar de vez e trabalhar à distância, ou ainda não chegou a esse ponto?
R – Durante a pandemia devo ter trabalhado mais dias a partir da minha aldeia do que na sede do jornal “Expresso”. E muita gente fez seguramente o mesmo, nas mais diversas profissões. Para os mais céticos ficou, assim, demonstrado que, havendo rede de Internet fiável e segura [em boa hora os autarcas da minha terra o perceberam], é possível executar certas tarefas a partir dos locais mais remotos. Para os que ainda não entenderam, aqui fica um conselho: olhem para a Internet como uma espécie de “saneamento básico” deste início de século. Não vamos, seguramente, trazer multidões para as aldeias, mas é muito provável que possamos vir a ter uma intermitência de visitantes que permita trazer de volta alguma massa critica para as nossas pequenas terras. E vendo bem as coisas, essa pode ser a nova vocação de muitos desses locais. Adoro a minha região e vivo intensamente tudo o que por aqui se passa, mesmo tendo a minha base de trabalho a 300 quilómetros de distância. Sou uma espécie de residente/ausente. Mudança definitiva só com uma mudança radical de vida, pois não estou a ver como é que aqui, na nossa região, pudesse viver apenas do jornalismo.
P – Também é daqueles que acham que o interior do país está condenado e que Portugal vai ser irremediavelmente litoral?
R – Sou daqueles que acho que o país estará irremediavelmente condenado se insistir em desperdiçar mais de dois terços do seu território. Portugal dificilmente conhecerá uma vaga de fundo de desenvolvimento económico, social e cultural se insistir em não sair da “bolha lisboeta”, em não ver mais além da Segunda Circular. Está mais que demonstrado que a classe política dirigente não consegue ir muito para além da área de influência do Terreiro do Paço. Temos tido historicamente azar com as elites políticas – ao contrário, por exemplo, das elites culturais, científicas ou desportivas. Meio século depois da revolução continuamos sem um rumo para o país, sem uma estratégia de desenvolvimento, sem um fio condutor. E não saímos disto. E os melhores vão continuando a sair para outras geografias onde vêm reconhecido o mérito e conseguem coisas tão simples como serem felizes e terem qualidade de vida. O dito interior, por oposição, ao litoral, tem qualidade, mas não tem vida. Já as cidades do litoral, com Lisboa à cabeça, têm vida, mas têm cada vez menos qualidade.
P – Qual será o futuro da imprensa regional num Portugal cada vez mais centralista?
R – O país é tão centralista e tão fechado nesse seu centralismo bacoco que insiste em chamar jornais nacionais a certos jornais regionais de Lisboa, que vendem muito menos que vários jornais assumidamente regionais e que até conseguem alguma expressão junto da diáspora. Os jornais, todos, tal como os conhecemos, tenderão a acabar. O processo está em curso e não tem retorno. As edições em papel estão nos seus dias do fim, em agonia, e só a edição digital as poderá salvar. Seja qual for a forma de entrega das notícias, a imprensa regional terá sempre uma grande vantagem: fala para as pessoas. E as pessoas gostam que alguém fale com elas.
P – O “Expresso” está a comemorar 50 anos com um périplo pelo país. Qual acha que foi o impacto do semanário na vida política, social e económica de Portugal?
R – Começo esta resposta com uma declaração de interesses: trabalho há 34 anos no “Expresso” e gosto muito deste jornal. Sempre olhei para ele como uma grande referência da nossa vida democrática. É um orgulho fazer parte deste projeto. O impacto na vida económica, social e política [e o “Expresso” sempre foi uma forte referência na área da política] foi notório, para mim, desde o primeiro momento. O “Expresso” foi uma espécie de rutura no seu meio, marcou pela diferença e pela forma de abordagem dos mais variados assuntos, surpreendendo tudo e todos. Até pelo grafismo, inspirado em alguma imprensa londrina. O “Expresso” teve também a vantagem de ter sido fundado e gerido – até aos dias de hoje – por um jornalista, Francisco Pinto Balsemão (e não são todos os grupos de comunicação social em Portugal que se podem orgulhar dessa particularidade). Na verdade, penso que o “Expresso” sempre esteve na vanguarda de muitas das mudanças que se foram operando no panorama jornalístico nacional, ao longo das últimas décadas. E tive a sorte de participar em algumas.
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VÍTOR ANDRADE
Idade: 57 anos
Naturalidade: Bendada (Sabugal)
Profissão: Jornalista (coordenador de Economia)
Currículo (resumido): Atualmente, coordenador de Economia do “Expresso” e comentador na SIC Notícias; Licenciado em Comunicação Social pelo ISCSP/Universidade Técnica de Lisboa; Jornalista na Rádio Universidade Tejo e colaborador da Rádio Renascença; Frequência de cursos sobre guionismo para cinema e vídeo na Gulbenkian e RTP; Colaborador no “DN” Jovem, “CM” Jovem, “Universus” (“O Dia”), “Volta ao Mundo”, “Briefing” (com versão televisiva na SIC) e na revista “Água & Ambiente”; Redator na revista “Inforbolsa”; Vencedor de vários prémios de jornalismo em algumas áreas relacionadas com Economia; Autor do livro “Onde falham as cidades”
Livro preferido: Mais que muitos, mas tenho sempre um livro de boa poesia na gaveta da minha secretária
Filme preferido: Centenas deles. Mas “Casablanca” deve ter sido o que já vi mais vezes. Ou o “Citizen Kane”, é impossível precisar.
Hobbies: Caminhar pela serra acima e viajar, o mais possível.