Cara a Cara

«Ser dotado não chega para sobreviver na música»

Escrito por Jornal O Interior

Entrevista a Luís Cipriano, Maestro da Orquestra Clássica da Beira Interior e do Coro Misto da Beira Interior, grupo vencedor de quatro medalhas de ouro na competição Adriatic Pearl Competition em Dubrovnik (Croácia).

P – O Coro Misto da Beira Interior foi recentemente galardoado com quatro medalhas de ouro na Croácia. Como avalia esta distinção?
R – É muito bom, claro. Cumprimos os objetivos quase máximos, que foi concorrer a quatro categorias e receber quatro medalhas de ouro. Mas há sempre espaço para melhorar a pontuação, pois dentro das medalhas a classificação insere-se num intervalo de valores. Em Budapeste, o Coro ficou em primeiro lugar e venceu a medalha de prata, pois a pontuação atribuída – embora não tendo sido superada por ninguém – correspondia a esse patamar. Há sempre margem para evoluir, até porque a perfeição na música não existe. Não é possível prestar provas duas vezes da mesma maneira. Trata-se de seres humanos, não de máquinas. A música não é estanque e por isso a procura pela evolução deve ser constante.

P – Numa altura em que o Coro celebra 30 anos, como encara o trabalho desenvolvido pelo grupo nos últimos anos?
R – O facto de um projeto como este durar 30 anos é sinal de que tem algo de positivo. A sua evolução é diretamente proporcional à minha própria evolução, como é lógico. Mas todos os que por aqui passaram fizeram dele o que é hoje, e todos contribuíram para o seu melhoramento. Há 15 anos era impensável o sucesso que temos agora, mas quem naquela época integrava o Coro faz parte deste sucesso atual e contribuiu para chegarmos a este patamar.

P – É fácil cativar novas gerações para integrar o coro?
R – Não, cada vez é mais difícil e essa dificuldade tem uma justificação, que se chama sistema educativo. O sistema atual é o do facilitismo e isso está bem visível na nova proposta do Governo de acabar com os chumbos no ensino básico. Eu noto muito, por exemplo, quando selecionamos crianças do nosso coro infantil para integrar o Coro Misto da Beira Interior, que muitas não estão habituadas ao nível de exigência. É preciso muito trabalho e os que são bons compreendem isso, os fracos desistem facilmente. Este facilitismo é o problema número um. Em segundo lugar, os encarregados de educação, que também são parte do problema do sistema atual. Quando uma criança não tem bons resultados na escola é castigada na música. A estupidez é tal que a criança é castigada naquilo que faz bem. Posso dizer que a maior parte das crianças que tive de dispensar do coro não foi por culpa delas, mas porque os pais não encaram isto como uma responsabilidade.

P – Quais os maiores desafios que se colocam, além desse?
R – O nosso desafio é simples: evoluir. Quando alguém, na música, achar que não tem nada a melhorar é um caso perdido. Entrar para este coro é extremamente fácil, mas ficar é muito difícil. Todas as pessoas que tenham capacidades vocais podem cantar neste coro, mas dessas é preciso saber quantas têm capacidade de trabalho. Ser dotado não chega para sobreviver na música. Voltando ao exemplo da escola: os miúdos são ensinados a competir, a tentar ter sempre melhor nota que o colega do lado – algo que é quase medieval –, depois chegam ao mercado de trabalho e não sabem trabalhar em equipa. Num coro, começam desde início a trabalhar em equipa, pois se um se engana é a desgraça de todos e eles têm essa noção. Um coro é o cúmulo do trabalho de equipa e muitas vezes esse é o facto em temos de educar os mais novos.

P – E em relação ao facto de ser um coro inserido numa região do interior. Considera que isso é uma dificuldade acrescida?
R – Não, de forma alguma. Eu tenho convites para trabalhar em todo o mundo e o facto de viver na Covilhã nunca representou qualquer problema. Se falarmos de mediatismo, admito que possamos ficar desfavorecidos – talvez se as nossas conquistas fossem concretizadas por um grupo de Lisboa ou Porto, as vitórias tinham mais projeção – mas não encontro mais nenhuma desvantagem. Até acho que os jovens têm um desempenho superior. Como há menos oferta aqui, as crianças aproveitam de forma mais inteligente as atividades a que têm acesso e a sua produtividade acaba por ser maior.

P – O que falta à cultura, no interior?
R – Como disse, há sempre espaço para melhorar. Não acredito que haja falta de dinheiro público para a cultura, as escolhas é que não são as corretas. Se uma autarquia gasta 50 mil euros a trazer um artista “popularucho” para uma atuação de duas horas, esse dinheiro podia ser investido a equipar escolas com material musical para dez anos. Falta esta mudança nas opções e para isso é preciso coragem política. Apesar disso penso que a situação está a melhorar e há cada vez mais autarquias onde noto que existe uma preocupação em levar a música coral às pequenas localidades.

Sofia Craveiro

 

Perfil de Luís Cipriano:

Maestro da Orquestra Clássica da Beira Interior e do Coro Misto da Beira Interior

Profissão: Maestro, compositor e professor de música

Luís Cipriano

Idade: 55 anos

Currículo: Presidente da Associação Cultural da Beira Interior; Compositor da obra de comemoração dos 2.000 anos do nascimento de Cristo, na Palestina; Dirigiu duas orquestras na Coreia do Norte; Já trabalhou internacionalmente em projetos, iniciativas e competições musicais.

Livro preferido: “Papillon”, de Henri Charrière

Filme Preferido: “A Lista de Schindler”, de Steven Spielberg

Hobbies: Filatelia (colecionar selos) e jogar squash

Sobre o autor

Jornal O Interior

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