P – O seu novo livro, “Média e Jornalismo em Portugal” (Edições Almedina), traça um cenário negro para a comunicação social portuguesa. Qual é o estado atual dos média em Portugal?
R – Eu faço fundamentalmente algumas constatações: há em Portugal pouquíssimos diários e semanários de informação geral de âmbito nacional; a imprensa, a rádio e a televisão “nacionais” estão todas localizadas em Lisboa e um pouco no Porto, os diários sendo publicados quase unicamente na faixa costeira entre Braga e Lisboa (para além da Madeira e dos Açores); a informação jornalística está centrada antes do mais no microcosmo lisboeta, pondo o acento na partidarice política, nos “faits divers” e no futebol, sendo a informação sobre “a província” rara. Esta informação sobre “a província”, assim como sobre o estrangeiro, é, aliás, largamente desprovida de pluralismo, tendo antes do mais como origem a agência Lusa; a circulação dos jornais “nacionais” é incrivelmente baixa em comparação com a dos congéneres de países demograficamente comparáveis, sendo mesmo residual nos distritos do “interior”. Por outro lado, porque as vendas são reduzidas e as equipas de redação diminutas, os conteúdos jornalísticos são escassos e pouco diversificados.
P – A que se deve a debilidade do setor, como conclui no seu livro?
R – No que diz respeito à imprensa, a debilidade vem de longe: da taxa de analfabetismo extremamente elevada até bastante tarde; da má distribuição dos jornais (nos anos 1960, quando eu ainda vivia em Portugal, os matutinos de Lisboa chegavam ao Fundão depois das 14 horas e os do Porto depois das 18 horas; e os vespertinos de Lisboa depois das 23 horas – sem contar com os atrasos dos comboios!); o preço relativamente elevado dos jornais tendo em conta o nível dos salários; a censura que durante longos decénios descredibilizou os jornais; a ausência de uma informação suscetível de interessar os que residem “no interior” do país. Quanto à rádio e sobretudo à televisão, as estações enveredaram por um tratamento da atualidade e uma programação do tipo repetição de “mais do mesmo” que leva os cidadãos a preferir emissores estrangeiros.
P – Os média portugueses estão num ponto sem retorno em termos de viabilidade?
R – Eu diria antes que se encontram num ponto em que medidas de fundo urgentes têm que ser tomadas pelos meios dirigentes do país (político, económico e sociocultural), e mais particularmente pelos poderes executivo e legislativo. De modo a fomentar o aparecimento de uma nova paisagem mediática que tire proveito das novas tecnologias. E de maneira a alargar a diversidade dos média (nomeadamente em termos regionais) e o pluralismo da informação. O Estado deveria assumir as suas responsabilidades de modo a favorecer o dinamismo de um sector intimamente ligado ao porvir da democracia.
P – Qual é a situação na Beira Interior?
R – A única tentativa de diário, com o “Diário XXI”, no Fundão, fracassou (2002-2009). Da Guarda a Castelo Branco, vários semanários existem, sobretudo nas cidades, mas nenhum me parece alcançar a audiência e o prestígio do “Jornal do Fundão” dos anos 1960 ao 25 de Abril. Toda uma série de rádios foram proliferando ao lado da célebre Radio Altitude, que foi, com a Rádio Renascença e duas outras locais, das únicas a escapar ao movimento historicamente a contrassenso de nacionalização e integração na RDP, que sucedeu à Emissora Nacional, mas, também aqui, não me parece que alguma tenha alcançado uma audiência muito para além da zona de origem. Enquanto as iniciativas em matéria de televisão continuam a ser bastante embrionárias.
P – Ainda há solução para apoiar os média, sobretudo os regionais? Qual?
R – Claro que há! No meu entender há que criar oficialmente uma grande fundação independente cujos fundos teriam por origem o Estado, a União Europeia, assim como empresas, instituições e mesmo privados que poderiam usufruir de benefícios fiscais ao fazerem doações à fundação. Mas antes de atribuir fundos com vista a restruturar a paisagem mediática, dar uma dimensão mais larga aos média existentes e fomentar a criação de novos, temos que definir o que são “média regionais” e não considerar que todas as iniciativas de caráter puramente local, reduzidas à mais simples expressão em termos de equipas de redação e de gestão e cujos conteúdos têm por origem sobretudo comunicações de instituições, empresas e personalidades locais, devem ser apoiadas.
P – Releva o facto da comunicação social ser determinante para a democracia e diz que as empresas e o Estado não percebem a importância da comunicação social. Como assim?
R – Se chegámos ao estado a que chegámos em Portugal, a uma paisagem mediática tão frágil caraterizada pela desertificação acelerada e uma prática jornalística tão insatisfatória, quando estas duas situações datam de há longos anos, é porque os meios dirigentes do país fazem que não veem, fingem que não sabem. Talvez porque é bem mais fácil para eles dirigir sem contrapoderes, fora de uma observação atenta e de crítica bem informada dos cidadãos…
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J. M. Nobre-Correia
Autor do livro “Média e Jornalismo em Portugal”
Idade: 76 anos
Naturalidade: Fundão
Profissão: Professor universitário jubilado
Currículo (resumido): residente em Bruxelas de dezembro de 1966 a março de 2012. Professor de informação e comunicação na Université Libre de Bruxelles (1970-2011), na Université Paris II (1996-2006) e na Universidade de Coimbra (1996-2001).
Livro preferido: tantos!
Filme preferido: “Il Gattopardo” (“O Leopardo”), de Luchino Visconti e tantos mais!
Hobbies: leitura, música, cinema.