Cara a Cara

«Falta experimentar a regionalização para combater a interioridade»

Santinho Pacheco
Escrito por Luís Martins

P – Foi homenageado na sua terra natal depois de 50 anos de dedicação à causa pública. Qual foi o momento mais alto da sua vida política e o que recorda de mais importante deste trabalho pela comunidade?
R – Para quem vive a política com sentimento e paixão, é difícil encontrar um momento particularmente alto. Se acrescentarmos aos 30 anos de autarca os tempos do Governador Civil e do deputado, serão dezenas de situações em que fui “o homem mais feliz do mundo”, citando a resposta que dei quando fui nomeado Governador Civil da Guarda. Aí vivi dias cheios com as comemorações do Centenário da República, onde Mário Soares colaborou na que seria a sua última visita à Guarda. A homenagem aos primeiros presidentes de Câmara do pós-25 de Abril foi vivida com o coração. A homenagem à mulher da Guarda foi um ato de justiça às nossas mães e avós. Como deputado, defendi a modernização da fronteira de Vilar Formoso e lutei pela agência de Almeida da CGD, chegando a propor uma troca: encerrar a agência da Assembleia da República para manter aberta a de Almeida. Estar na linha da frente contra as minas de urânio na fronteira espanhola, ter ação decisiva na vitória que vai ser, 200 anos depois, um órgão de tubos na Sé da Guarda, ou a aprovação da candidatura para dotar a capital de distrito com um veículo limpa-neves, a inauguração da Biblioteca Vergílio Ferreira ou o Museu Abel Manta, a abertura ao público do Parque Zoológico, o Teatro-Cine de Gouveia, são exemplos de apostas certeiras no desenvolvimento do interior. Temos de ter mais orgulho e menos despeito nas nossas terras e reforçar a autoestima. Não temos nada a temer em qualquer comparação. Hoje temos mais peso político que nunca. O Porto Seco, uma nova Maternidade no Pavilhão 5 e a segunda fase do hospital, os IC’s da Serra da Estrela, o novo Hotel de Turismo são disso bons exemplos.

P – Qual foi o momento mais difícil da sua vida política?
R – Habituado a vencer, nada pior que provar o sabor da derrota. Os piores momentos enquanto autarca foram as semanas da transição da “Câmara velha” e da “Câmara nova” em 2002. Parecia “enguiço”, tudo saía mal. Até o último muro, da última obra na estrada da Serra, cedeu a tanta chuva que caiu no último dia de presidente da Câmara de Gouveia. A juntar a esse “ai dos vencidos”, eram 16h30 dessa sexta-feira de janeiro quando a PSP foi aos Paços do Concelho notificar o município da penhora do autocarro de 50 lugares que estava afeto aos transportes escolares. A ação tinha sido interposta pelo CITEVE, da Covilhã, e em causa não estava qualquer dívida da Câmara, mas um aval prestado àquela entidade de capitais públicos para elaborar o plano de recuperação das têxteis TLC e Estevão Ubach. O município acedeu a bem da economia local, só que as duas fábricas não pagaram os estudos e a Câmara foi processada. O CITEVE portou-se muito mal, mas houve muita politiquice pelo meio. Todos conhecemos a coragem dos cobardes que gostam de calcar quem já está tombado no chão. (…) Nunca esquecerei um rosto lavado em lágrimas que me dizia, ao despedir-se, “o senhor não merecia isto”. Igual ou pior foi a insinuação velada, ou às claras, de que faltavam 360 mil contos na tesouraria da Câmara. Demonstrou-se que era falso, uma mentira torpe. Mas os olhares acusadores, os boatos de toda a natureza, já tinham feito o seu caminho. Havia uma espécie de “sindicato do boato” que inventava patrimónios que nunca existiram, quintas com piscina, palacetes e viaturas de luxo. Um dia, António Cacho, taberneiro famoso de Gouveia, já cansado de ouvir aquela ladainha, desafiou alguns dos mais acintosos a mostrarem-lhe o palacete, as piscinas e os carros de luxo. Obviamente não havia nada disso. Alguns ainda estão vivos e falam-me muito bem, tratando-me por senhor presidente, como sempre fizeram. Que Deus lhes perdoe, que eu não consigo esquecer. Foram dias que me tiraram anos de vida. Mas mágoa mesmo a sério foi a morte de Vergílio Ferreira, um amigo e um benemérito do concelho. Foi uma perda enorme. Não consigo sequer imaginar o que seria hoje Melo se não tivesse partido tão cedo, apenas seis meses depois da inauguração, ao lado de Mário Soares, da sua Biblioteca. Desde logo a ideia do Centro de Estudos Vergilianos, no Paço de Melo. Tudo o que tem sido feito em Melo é positivo, mas adaptar o Paço a Centro de Estudos é estruturante para atrair negócio e emprego. A decadência da antiga vila não muda com eventos uma vez por ano.

P – Foi o último Governador Civil da Guarda, como vê atualmente a administração do território?
R – Sou um regionalista convicto. Para combater os custos da interioridade, todos os Governos já experimentaram tudo sem qualquer resultado. Falta a regionalização. 26 anos após o referendo de 1998 é tempo de dar de novo a voz ao povo. Há décadas que somos os patetas úteis desta inconstitucionalidade por omissão ao continuar a defender a divisão das Beiras em Beira Litoral e Beira Interior. Para baralhar tudo e fingir que agora é que é, inventam novas soluções, como as CIM. Porquê e para quê? Não tínhamos já os distritos? Quem quer destruir a unidade distrital, uma experiência territorial com mais de 200 anos? E como justificar a representação política dos círculos eleitorais que antes coincidiam com o próprio distrito? (…) Que proveito tirou a Guarda da CIM Beiras e Serra da Estrela e o que perdeu em capitalidade? Por que razão a Guarda e o distrito, travestido de CIM, tiveram de acolher outros concelhos como solução política e territorial para um impasse nascido da rejeição da unidade no distrito a que pertenciam? (…) Não me revejo em esquemas que adiem uma solução final e constitucional e defendo a existência de distritos até haver regionalização. Por isso sou a favor de um Governador Civil, representante do Governo, em cada distrito. Quem não concordar, ou retira a regionalização da Constituição ou avança de imediato para um referendo popular sobre a institucionalização em concreto das regiões, que devem ser 5: Norte, Centro ou Beiras, Lisboa e Vale do Tejo, Alentejo e Algarve. Como tudo isto está é que não é nada nem serve ninguém!

P – Qual o momento mais negativo que recorda da vida política?
R – Foi não ter conseguido um polo da UBI em Gouveia, ligado a Vergílio Ferreira, e o Centro de Estudos Vergilianos. A professora Antonieta Garcia sabe bem do que falo.

P – Como gostaria de ser recordado?
R – Quando fui nomeado Governador Civil, Alípio de Melo disse num jantar em Folgosinho que “os verdadeiros amigos do Santinho Pacheco são os que não lhe pedem nada em troca de ser amigo, porque Santinho Pacheco é capaz de tirar a camisa para a dar a quem precise dela. Com isto prejudica-se e prejudica a família”. Foi um magnifico retrato íntimo da minha maneira de ser, amigo dos amigos, da nossa terra, um servidor público, um sonhador que ama a vida. É assim que quero ser visto.

P – Qual a sua opinião sobre a representação do distrito na Assembleia da República – a Guarda “ainda” elege dois deputados…?
R – Quando oiço falar em redução de deputados até me arrepio, porquanto isso vai levar a uma quebra ainda maior do número de eleitos nos distritos do interior. A ideia peregrina de haver uma dupla legitimidade de eleitos por um número de votos ou pelo território que representam pode ocasionar algo de antidemocrático – nos Estados Unidos já não é quem tem mais votos expressos que ganha as eleições. Aqui está um bom tema para os partidos se entenderem. Procurar respostas agradáveis para as angústias de certa cidadania pode ser mais prejudicial que benéfica, mesmo quando nos atiram aos olhos a ideia de que o sistema uninominal é solução para tudo.

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ANTÓNIO JOSÉ SANTINHO PACHECO

Idade: 73 anos

Naturalidade: Vila Franca da Serra (Gouveia)

Profissão: Professor

Currículo (resumido): Frequência da licenciatura de Direito da Universidade de Coimbra; Deputado eleito pelo PS na primeira Assembleia Municipal de Gouveia após o 25 de Abril, tendo sido ainda presidente daquele órgão; Em 1979 foi eleito presidente de Junta de Vila Franca da Serra e vereador na Câmara de Gouveia; Presidente da Câmara de Gouveia de 1985 a 2001; último Governador Civil da Guarda, de 2009 a 2011; Deputado na Assembleia da República de 2015 a 2022 e colaborador de O INTERIOR.

Livro preferido: “A Lã e a Neve”, de Ferreira de Castro

Filme preferido: “Filadélfia”, de Jonathan Demme

Hobbies: Leitura, agricultura/jardinagem

Sobre o autor

Luís Martins

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