P – Três semanas depois da ativação do plano de emergência distrital da Guarda qual é o ponto da situação?
R – A Comissão Distrital de Proteção Civil (CDPC) faz um balanço positivo da ação realizada, mas com um amargo sabor de insatisfação pelas vidas perdidas, pelas cadeias de contágio que surgiram, sobretudo provenientes do exterior do nosso território, e pelo clima de incerteza e de alguma angústia que as populações estão a vivenciar. É uma situação e um problema que pode arrastar-se mais tempo do que o inicialmente expectável, o que nos acrescenta alguma preocupação quanto aos meios, recursos vários, sobretudo recursos humanos, e capacidade de resposta futura, tendo em conta o desconhecimento e a imprevisibilidade, face a um problema que é novo e complexo. Durante a vigência do Plano Distrital de Emergência da Proteção Civil foram desenvolvidas diversas ações e iniciativas no âmbito da coordenação (institucional e operacional) e da cooperação, organizadas com os objetivos de constituir uma comunidade de trabalho integrada, estabelecendo parcerias entre as diversas instituições; de difundir continuamente a informação relevante; e de partilhar boas práticas. Este é um plano dinâmico e aberto que se vai desenvolvendo e ajustando face ao evoluir da situação. Refira-se ainda que estes objetivos não foram, nalguns aspetos relevantes, atingidos por razões que transcendem a nossa vontade e dinâmica local.
P – Quais são os meios existentes e disponíveis para o caso de um aumento exponencial de infetados no distrito?
R – Todo este trabalho tem sido feito de forma articulada e complementar entre a CDPC, as autarquias (Câmaras e Juntas de Freguesia), Bombeiros Voluntários, Autoridades de Segurança (GNR, PSP, SEF, ICNF), Segurança Social, Educação Regional, ULS e Autoridade de Saúde (municipal e distrital). Além dos meios e recursos adstritos a cada uma destas entidades, sobretudo as Câmaras Municipais têm, proativa e reativamente, adquirido equipamentos de proteção individual (EPI’s) para dar resposta às situações onde tal se justifica, nomeadamente lares de idosos, bombeiros, agentes de segurança e da saúde. Em articulação com as Juntas de Freguesia, as Câmaras estão também a proceder à desinfeção de espaços públicos. Além da informação essencial permanente, estão também criadas linhas de comunicação para responder às solicitações. Estão a ser criados bancos de voluntários para acautelar situações de maior gravidade de contágio, como está a acontecer em Foz Côa e Gouveia. As Câmaras, em cooperação com os agentes locais, organizaram espaços de retaguarda destinados aos profissionais de saúde, aos utentes de lares da terceira idade, Covid e não Covid. Há ainda equipas de pessoas e viaturas para suprir as necessidades alimentares e de medicamentos, onde tal for necessário. Dentro da anormalidade da situação, acredito que estão criadas as condições que garantem uma relativa normalidade social.
P – Que problemas/ dificuldades foram até agora reportados pelas autarquias e demais entidades envolvidas?
R – As dificuldades maiores, reportadas desde a primeira hora, são essencialmente de três níveis:
– Entradas na fronteira de Vilar Formoso. Há uma falta de controle sanitário, o que se veio a revelar uma lacuna grave com consequências muito nefastas. Ainda relacionado com a fronteira, há uma ausência de comunicação do fluxo de entradas, cuja identidade e destino seria de importância capital para os responsáveis de cada município.
– Obrigatoriedade de quarentena. Os autarcas, e não só, sempre manifestaram a vontade de que todos os que viessem de fora dos respetivos concelhos, oriundos de Portugal ou do estrangeiro, fossem obrigados a ficar 14 dias em isolamento profilático. Ora, a DGS e o Ministério da Saúde inviabilizaram esta pretensão.
– Rastreio em todos os lares de idosos. Desde há muito que as Câmaras reivindicam essa intervenção, que teria de ter o aval da Autoridade de Saúde e a respetiva supervisão. Segundo informação recente da Secretaria de Estado da Ação Social, esse processo irá ter lugar agora, de forma gradual, no nosso distrito.
Entretanto, lamenta-se que esteja a ser sonegada a informação diária aos municípios sobre os casos positivos respeitantes a cada concelho. Todos os presidentes de Câmara do distrito lamentam e manifestam profunda indignação contra aquilo que consideram um passo atrás na ação preventiva e reativa que desenvolvem nos respetivos concelhos.
P – A não realização de controlos sanitários na fronteira de Vilar Formoso foi um deles?
R – Sem dúvida. Nós sabemos que estamos numa região transfronteiriça, onde está a fronteira com maior fluxo rodoviário a nível nacional. Sabemos há muito o que está a acontecer noutros países europeus, no que diz respeito a esta pandemia, com quem temos uma relação estreita, quer em termos comerciais e do inerente fluxo de camiões, quer ao nível da emigração. Espanha, França e Itália são exemplos paradigmáticos. Ora, era mais que justificado que o controle das fronteiras tivesse começado mais cedo e que o rastreio sanitário estivesse presente desde a primeira hora. Até hoje, esse controle sanitário, nunca aconteceu. Essa era uma responsabilidade que cabia ao nosso poder central, que se eximiu da mesma. Conclusão: as situações de maior contágio registadas até agora no nosso distrito entraram por Vilar Formoso.
P – Também acha que a não obrigatoriedade de quarentena para quem viesse de fora do distrito contribuiu para o aparecimento de alguns surtos no distrito?
R – Acho. Em situações excecionais, temos de ter a coragem de assumir medidas excecionais. Se é necessário prescindirmos temporariamente de uma parte das nossas liberdades individuais em prol da segurança, da saúde e da vida, então façamo-lo. Não são liberdades alienadas, ficam apenas temporariamente suspensas. Na minha opinião, a desautorização por parte da DGS e da respetiva tutela face ao que distritalmente tinha sido determinado pela Delegada de Saúde Distrital, Proteção Civil e presidentes de Câmara, unanimemente, representa um desrespeito pelos responsáveis locais, democraticamente eleitos, e significou a abertura de uma brecha no esforço que todos estamos a fazer para darmos as melhores respostas a este problema que é de todos.
P – Há falta, ou não, de equipamentos de proteção individual para os agentes da proteção civil, nomeadamente bombeiros e autoridades policiais?
R – Não é fácil responder a essa questão e acredito que as respostas não serão consensuais. Já ouvi, por parte dos bombeiros, a preocupação com a exiguidade de equipamentos e o receio de eventual resposta face a um agravamento da situação. O que lhe posso dizer é que as Câmaras Municipais, individualmente, e no âmbito da CIM, tudo têm feito para responder às necessidades locais no que aos EPI’s diz respeito e estão a acautelar-se para necessidades futuras. Isto não vai acabar já. Todos nós vamos ouvindo que, nalguns serviços da responsabilidade do Estado, tem havido alguma falta de equipamento. Mas ninguém é infalível e, por vezes, as falhas acontecem. Quanto às Câmaras, e no que ao distrito diz respeito, posso afirmar, sem reservas, que todas elas estão a fazer um trabalho extraordinário para dar resposta às necessidades e solicitações locais. Acredito que, mesmo divergindo nalgumas medidas (não) tomadas, o Governo também estará a tentar fazer o seu melhor e, por isso, esperamos respostas positivas por parte dos nossos governantes face ao esforço enorme desenvolvido pelas autarquias. Penso que, salvo exceções pontuais, todos estamos a desempenhar bem o nosso seu papel, mesmo aquela maioria de concidadãos que, por força das circunstâncias, têm de ficar em casa e cuja postura cívica manifestada é de enaltecer.
Perfil de Carlos Ascensão:
Presidente da Comissão Distrital de Proteção Civil e presidente da Câmara de Celorico da Beira
Naturalidade: Rapa, atual União de Freguesias Rapa e Cadafaz (Celorico da Beira)
Idade: 58 anos
Profissão: Professor
Currículo: Licenciado em Filosofia pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra; professor efetivo na Escola EB2,3/S Sacadura Cabral, lecionando as disciplinas de Filosofia/ Psicologia. Entre outras, lecionou na Escola da Sé e Escola Secundária Afonso de Albuquerque, na Guarda, e na Escola Profissional Trancoso. Esteve ligado ao futebol durante algumas dezenas de anos, como atleta e treinador (SC Celoricense, CCDR Lageosa do Mondego, GDR Vale de Azares, GD Trancoso, CCDR Vila Cortez do Mondego e GD Vila Franca das Naves).
Livro preferido: “Confesso Que Vivi”, de Pablo Neruda
Filme preferido: “A Vida É Bela”, de Roberto Benigni
Hobbies: Jogar futebol, desportos de Natureza (caminhadas), ler, jardinagem, agricultura