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«Vou-me embora porque cá não tenho trabalho»

Cara a Cara – Ana Estêvão

P – Quais os objetivos que levaram à organização da iniciativa “Paço com Passo”?

R – Esta iniciativa surgiu a partir da vontade dos alunos, e também minha, de podermos fazer um espetáculo em que pudéssemos mostrar o nosso trabalho. Eu venho da Argentina e lá existe o que se chama “varietés”culturais, que são uma espécie de festivais num dia que reúnem espetáculos curtinhos das mais variadas artes em que as pessoas desfrutam dos mesmos. Como tínhamos duas peças curtas começámos a pensar se era possível fazer este tipo de evento mais alargado e à medida que fomos falando com as pessoas a adesão era instantânea e automática, tanto que quando demos conta tínhamos estas horas todas de espetáculos das sete da tarde às quatro da manhã e mais ainda que não estão no programa e se foram incorporando depois.

P – A sua estadia na Argentina ajudou então a inspirar o modelo desta atividade?

R – Sim, sim, totalmente. É muito normal e comum lá.

P – Que atividades é que o público poderá encontrar no Paço da Cultura?

R – As pessoas poderão encontrar vários tipos de música: desde a tradicional portuguesa à clássica, passando pelo rock até músicas do mundo e música portuguesa com poesia. Vai haver também performances de fogo, magia e espetáculos de teatro com uma componente social importante.

P – Quais foram os critérios seguidos para escolher as propostas que vão ser apresentadas?

R – O critério principal foi a proximidade das pessoas. Falámos com artistas que conhecemos e essas pessoas e outras que se foram incorporando demonstraram disponibilidade e vontade de participarem. Vamos ter também um artista que incorporámos nesta segunda-feira, um músico da Letónia que está na Guarda. Gostámos do trabalho dele, convidámo-lo e ele disponibilizou-se logo para ficar mais uma semana para também fazer parte desta iniciativa.

P – A entrada é gratuita mas a organização agradece todas as contribuições, apelando à «fraternidade económica» e à «democratização da cultura». O que se pretende com isto?

R – O que nós queremos é que este formato não impeça ninguém que queira estar presente de o poder fazer, mas que a variável de ajuste não seja o trabalho voluntário dos artistas. Ou seja, quem tiver mais que ponha mais pelos que não podem por e quem não tiver será convidado nosso e pode desfrutar do espetáculo na mesma. É uma democratização da cultura nesse sentido, em que está acessível para todas as pessoas e fraternidade económica no sentido em que cada um avalia o espetáculo e quanto é que pode meter e se puder meter mais apelamos a que ponha por todos os outros que o não podem fazer.

P – A oficina de teatro da Associação vai ter continuidade no futuro?

R – Não sabemos ainda, mas em princípio não porque eu não vou estar na Guarda.

P – Quantos elementos teve este ano?

R – Foram cerca de uma dezena, entre adultos e adolescentes. Os números foram flutuando.

P – Como vê atualmente o panorama cultural da cidade?

R – Acho que a cidade da Guarda tem muitas pessoas e muitos artistas que têm vontade de participar e este evento é a prova disso porque mal começávamos a expor o projeto já as pessoas estavam entusiasmadas e com vontade de participar. Temos um teatro lindíssimo, que tem uma programação que continua a ser muito boa, mas acho que se deveria valorizar mais o trabalho dos artistas da região e que se devia dar mais oportunidades para que pudessem trabalhar disso. Acho que existe muito voluntarismo, ou seja, as pessoas participam com muita vontade mas há pessoas que ficam excluídas no sentido de não poderem trabalhar nisso e de receberem uma retribuição por isso.

P – É o seu caso?

R – Sim, eu vou embora porque cá não tenho trabalho.

P – Vai novamente para o estrangeiro?

R – Não. Ainda não está definido para onde, mas vou ficar em Portugal.

P – Está nos seus planos voltar a emigrar?

R – Não. Voltar a Portugal foi uma escolha muito ponderada e muito difícil, mas sabe bem estar de volta.

Perfil: Ana Estêvão

Coordenadora da oficina de teatro da Associação Guarda 1056

Profissão: Atriz, produtora, bióloga, professora

Idade: 32 anos

Naturalidade: Guarda

Currículo: Não tem educação formal em teatro. Foi fazendo workshops ao longo dos últimos sete anos, na área da atuação e de produção. Participou também em diversos festivais de teatro. Licenciada em Biologia.

Livro favorito: “Um canto truncado”, de Joan Jara

Filme favorito: “O Palhaço”, de Selton Mello; “César deve morrer”, de Paolo e Vittorio Taviani; Persepolis, de Vincent Paronnaud e Marjane Satrapi.

Hobbies: Cerâmica, teatro, estar na natureza, caminhar, yoga e fotografia.

Ana Estêvão

Sobre o autor

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