Arquivo

Vivaci e a Zona Muralhada

O estado avançado do Vivaci Shopping faz-me recordar o que se passou no ano de 1991 na Cidade do Cabo, na África do Sul, quando o público esperava com interesse e ansiedade a abertura do “Victoria Wharf Shopping Centre”, na zona portuária da cidade. A recuperação da “V&A Waterfront” (ribeira) naquela zona velha do porto tinha começado bem. Os cidadãos estavam a chegar aos milhares para passear, comer e ver a animação marítima nas docas redescobertas do porto.

Mas a primeira fase tinha sido toda de recuperação de património, de escala modesta e colonial, com imenso charme e rodeado por um novo ambiente pedonal, tudo a céu aberto.

Victoria Wharf foi muito maior, muito diferente. Conscientes de que esse mesmo público teria meses de Inverno chuvoso («Cabo das Tormentas», como disse Vasco da Gama), os promotores tinham construído 24 mil metros quadrados de espaço coberto, com lojas âncoras, cinemas e estacionamento na cave.

Esta parte ficou junto à zona histórica e em frente ao antigo Cais Quatro. Como seria a reacção do público a um “shopping” nas docas?

E – como acontece na Guarda – qual seria o seu impacto na zona histórica vizinha, ainda em vias de recuperação?

A ansiedade foi afinal desnecessária. Victoria Wharf tornou-se na âncora do Waterfront, peça-chave para 20 milhões (sim!) de visitas por ano.

Extrovertido

Mas se Victoria Wharf era “extrovertido”, ainda o é. Tem varandas generosas, com muito vidro e muita luz solar lá dentro. Do interior podem ver-se montes e barcos, e até o “eixo do mal” está alinhado com a antiga Torre do Relógio num cais visível além das imensas janelas.

Na Guarda há semelhanças. O Vivaci é um passo ousado e bom, com imenso potencial para ajudar a cidade e o centro histórico. Mas não está virado para o exterior, e com o carro estacionado na cave, vai ser muito fácil para o cliente ficar ali.

No Waterfront, depois de milhões de randes de investimento adicional, não houve crise para as lojas, escritórios e restaurantes situados nas zonas históricas fora do “shopping”. Mas não é fácil para os comerciantes: queixam-se ainda de clientes perdidos. Apesar do amplo estacionamento e dos pitorescos cais, focas, barcos e animação nessas zonas, “…muitos visitantes simplesmente não saem do Victoria Wharf”.

Transparência

Não queremos isso na Guarda. Temos de ligar psicologicamente o “shopping” com a zona muralhada, apesar das fraquezas actuais do centro histórico. Muito vai depender da transparência (ou não) do Vivaci ao longo da Avenida dos Bombeiros.

No outro lado daquela rua temos uma bela e alta secção das muralhas, com a recuperada zona do Torreão a Norte e a Porta da Erva ao Sul.

Vista do Vivaci, a zona histórica tem que parecer apelativa e interessante, de modo a ser uma visita a não perder. Dentro do Vivaci deve ser montado um grande modelo do centro histórico, juntando plantas e material visual a uma grande janela com vistas da zona muralhada e com rotas para ali chegar de forma bem visível e óbvia.

Ao sair a pé das portas do centro, o visitante deve encontrar passeios bonitos, iluminação e indicações certas para a visita aos pontos interessantes dentro da muralha. Necessita de boas razões para os visitar e para voltar no futuro. Se é isso que queremos, o tempo já é curto.

Por: Rory Birkby *

* arquitecto sul-africano radicado na Guarda

Sobre o autor

Leave a Reply