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Viagem pela análise à demografia fecha com saldo negativo

A Covilhã é o caso mais gritante da diminuição da população a partir da segunda metade do século XX

A Covilhã, Celorico da Beira e Guarda fecham a nossa viagem pela evolução demográfica dos concelhos da Beira Interior. E o retrato é ainda mais assustador no caso dos dois maiores concelhos da região.

Conhecida como “cidade neve”, foi na Covilhã que houve uma maior concentração populacional. Se em 1900 tinha mais de 44.300 habitantes, a cidade dos lanifícios cresceu a olhos vistos e em 1960 o número de residentes ficava próximo dos 73 mil, embora entre 1910 e 1920 tenha registado uma ligeira quebra. Porém, nos anos seguintes a tendência inverteu-se e a população começou a cair a pique. Em 1960 o número desce para 62.562 habitantes e esta é, aliás, a década em que se dá a maior quebra populacional. Nos anos seguintes verifica-se uma diminuição gradual e, em 2015, os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) indicavam que havia 48.741 habitantes.

No caso de Celorico da Beira os números são bem diferentes mas o cenário de desertificação mantém-se. Depois de ter iniciado o século XX com 15.718 habitantes, o concelho registou em 1920 uma quebra e a população caiu para 15.045 residentes, voltando a recuperar nos anos seguintes, mas só até 1950, quando se atingiu o número populacional mais elevado: 16.732 habitantes. A partir daí dá-se início a uma evolução negativa na demografia de Celorico da Beira. E em 2015 tinha menos de metade dos habitantes de 1900, não indo além dos 7.246 residentes. O desenho da evolução populacional da Guarda é bastante semelhante. O arranque do século dá-se com 41.310 habitantes, número que cresceu na década seguinte para 43.634 pessoas, mas em 1920 caiu para 41.909. Descida logo recuperada nos anos posteriores dando início a uma tendência de crescimento até 1960. Este foi o ano de ouro do concelho, que registou os 51.468 habitantes. A partir daqui dá-se início ao despovoamento, cenário que se intensifica até aos dias de hoje. Segundo as últimas previsões, em 2015 a Guarda não ia além dos 40.237 habitantes.

Covilhã

Vítor Pereira prefere deixar de lado «o que nos trouxe até aqui» e focar-se «no que pode ser feito» para inverter esta tendência. O presidente da Câmara da Covilhã não esconde a «grande preocupação para esta realidade», com prejuízos sociais e financeiros, «nomeadamente o abandono das terras, a não exploração e valorização dos recursos naturais, o aumento dos incêndios e outras catástrofes decorrente da ausência de população». Para o edil, as entidades públicas e privadas, locais e nacionais, «devem assumir a responsabilidade de desenvolvimento e preservação dos territórios que administram, criando as condições base de infraestruturas e incentivos para que os privados encontrem espaço e motivação para investir e desenvolver projetos que agreguem valor». De olhos postos no futuro, Vítor Pereira considera que «é indispensável que os territórios criem as oportunidades de emprego e desenvolvimento económico que permitam às populações a sua realização profissional nesta região».

Medidas «corajosas e concretas», como a criação da UBI, da Faculdade de Ciências da Saúde, o regadio da Cova da Beira e, mais recentemente, a conclusão da eletrificação da Linha da Beira Baixa, são alguns dos exemplos que o edil aponta como «positivas». E lembra que, por vezes, são necessárias «medicas pouco populares ou eleitoralmente pouco vantajosas no curto prazo» que podem inverter esta situação. «Melhorar a qualidade de vida das populações e criar as condições que permitam aumentar a oferta de emprego» tem sido uma das preocupações do autarca covilhanense, bem como potenciar os produtos endógenos, pois acredita que só assim «são criadas condições de rendimento para as populações locais e desenvolvimento social do concelho».

Celorico da Beira

Para o presidente da Câmara de Celorico da Beira «este problema não foi considerado ao longo de muitos anos», sobretudo no que toca aos jovens «que foram procurar alternativas noutras cidades e fora do país, ausentando-se de seu meio para procurar trabalho, sem que nada fosse feito para contrariar», lamenta.

José Monteiro considera que a solução passa «pela administração central, que tem de olhar da mesma forma para o interior», pelo que espera que a Unidade de Missão possa colocar «um travão» à tendência de abandono dos territórios do interior, mas para isso lembra que «é preciso potenciar empresas, deslocalizar e descentralizar serviços» para que, da mesma forma que as pessoas vão do interior para o litoral, «façam um percurso inverso». O edil celoricense afirma que a autarquia já faz a sua parte: «Qualquer empresa pode-se instalar no concelho que a autarquia não cobra nada, mas faltam benefícios fiscais que atraiam mais gente e investidores», alerta José Monteiro. Com o objectivo de criar emprego, o município tem investido nos jovens que ingressam em cursos de formação superior, atribuindo bolsas de estudo, «com a esperança de que quem vai para fora volte com novas ideias e empreendedoras». O autarca adiantou ainda a O INTEIOR que a Câmara tem em cima da mesa a eventual instalação de novos projetos empresariais e que «em breve poderá haver novidades».

Guarda

A desertificação do interior «deve ser uma preocupação nacional», começa por dizer o autarca da Guarda. Álvaro Amaro lembra um estudo das Nações Unidas que prevê que, em 2060, o país tenha apenas 7 milhões de habitantes para dizer que, por isso, «estamos todos convocados», descartando responsabilidades das autarquias, que «só por si não conseguem políticas que contrariarem esta tendência».

«Há três décadas que não há políticas públicas ativas para estimular a demográfica e a natalidade», constata o presidente guardense, para quem é necessário «começar já» e isso passa por «uma política educativa diferente, que possa trazer mais estudantes, pois só assim haverá mais economia e mais empresas». A nível fiscal, Álvaro Amaro fala num «política arrojada», sugerindo que se mexa no IRC para as empresas dos territórios de baixa densidade. Na sua opinião, «este imposto deveria começar do zero e aumentar progressivamente», como tem vindo a repetir nos últimos anos. O edil deixa ainda uma terceira sugestão que passa por aproximar mais o Estado da população: «Em vez de encerrar serviços, o Estado deveria estar menos em Lisboa», refere, reivindicando ainda o apoio à natalidade.

Quanto ao programa para a coesão territorial, continua a dividir opiniões. O presidente da Câmara da Guarda não revela grande esperança neste plano do atual Governo, dizendo apenas que «são cento e tal medidas para “inglês ver”».

Ana Eugénia Inácio Desde 1960 a Covilhã perdeu mais de 24 mil habitantes

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