É tão válido apreciar uma pintura de Van Gogh quanto um vestido de Valentino Garavani. A moda não tem necessariamente de estar enquadrada no terreno da futilidade e quando a estilista em questão é a californiana Edith Head o preconceito tem de ser obrigatoriamente exorcizado.
Head é a estilista mais conhecida do cinema clássico norte-americano. É também a personalidade com mais Óscares (de Melhor Guarda-Roupa) no peitoril da lareira (oito, no total, além de ter sido nomeada 35 vezes). Talvez não seja a melhor estilista, mas é seguramente um enorme talento e um ícone. Criou uma inconfundível imagem de marca: vestia-se discreta e formalmente e usava, quase sempre, óculos azuis escuros, não só para, a nível profissional, ver como os locais de filmagem e a indumentária resultariam num filme a preto e branco, mas também para resultar, ela mesma, inacessível quanto aos seus pensamentos.
Trabalhando essencialmente para a Paramount e para Hitchcock, Head vestiu refinadamente mulheres já por si elegantíssimas como Grace Kelly e Audrey Hepburn. Certamente que estas são capazes de dar classe a qualquer trapinho que vistam, mas o bom gosto de Head conseguiu acentuar ainda mais a aura “exquisite” das estrelas. O seu trabalho de que eu mais gosto é o vestido preto e branco, de saia rodada, que Kelly (quem Head mais gostava de vestir) exibe em “Rear Window”.
É importante explicar, todavia, que os seus talentos não se restringem apenas à sofisticação. A estilista é completamente versátil (a sua principal qualidade), sendo capaz de expressar qualquer tipo de personalidade e classe social de uma personagem através da indumentária: Barbara Stanwyck com as suas vestimentas sexys e foleiras no soberbo “Double Indemnity” é o exemplo paradigmático.
Outra coisa importante a dizer sobre Head é a sua capacidade de fazer com que os seus modelos resultem tão contemporâneos. Os vestidos “verde eau de Nil” de Kelly em “Rear Window” e de Tippi Hedren em “The Birds” resultam quase intemporais. São chiques, casuais e sem estampados.
Head sabia realçar os atributos das estrelas, como os belíssimos ombros de Elizabeth Taylor, mas conseguia igualmente ocultar os seus pontos menos positivos, caso dos lenços que Hepburn veste em “Roman Holiday”, os quais disfarçam os seus ossos muito salientes.
Segundo Rosemary Clooney, a estilista preferia vestir homens, revelando grande criatividade na ideia de vestir Danny Kaye de calças, meias e sapatos do mesmo azul para o número “The Best Things Happen While You’re Dancing” em “White Christmas”. Tudo flui, as pernas e os pés são um todo.
Repleta de talento e percebendo que, como disse Guillermo del Toro, «todos os tecidos […] contavam uma história», Head traçou a sua própria, cujas páginas foram perfuradas pelas agulhas do bom gosto, do sucesso e, como não, da intemporalidade.
Miguel Moreira