1. O auto apelidado movimento das “grandoladas” está aí para durar. Afinal, contestar um governo legítimo de um regime democrático, ainda que impopular, usando um hino a pensar na ditadura, não é para todos. Nesta situação, como em quase todas, tem sempre melhores resultados utilizar a observação rigorosa dos factos e o destemor na verificação dos resultados. Ora, observei atentamente duas fotografias saídas nos media ilustrando as irrupções canoras. Uma respeitante à interrupção de Miguel Relvas e a outra de Paulo Macedo. Acreditem que os cantadores são os mesmos, com algumas variações. Há dois que me chamaram particularmente a atenção. Um deles é um rapaz que parece reproduzir, graças a uma expressão facial assaz interessante, “O Grito”, célebre quadro de Munch. A névoa que dele emana, como hoje se apurou, não resulta do estado depressivo do pintor, mas dos resquícios das cinzas lançadas pela erupção do Krakatoa, em 1883. Cujos efeitos se sentiram a uma escala global. Mas tal relação é muito provável que seja desconhecido do rapaz vociferante. Do lado esquerdo, vê-se um outro rapaz menos rapaz. Nota-se no seu olhar uma precariedade ontológica notável. Também vocifera. Mas menos. Mais atrás, vê-se um nada rapaz a dizer “das boas” ao ministro. Na segunda fotografia, só muda o cenário, sendo os intervenientes comuns. No anfiteatro, aparecem três ou quatro assanhados cantadores, de punho erguido, praticando uma espécie de halterofilia canora digna de registo. Como seria de esperar, nota-se a presença do inevitável e afanoso “profiteur de jeunes”. Ressaltam dois protagonistas da anterior “jornada de luta”! São eles o rapaz do “Grito” e o menos rapaz já com barriguinha, o tal das “bocas”! Portanto, a nebulosa indústria do protesto tem ao seu serviço um grupo de oficiantes dedicados que vão a todas! Emulando assim uma espécie de revolução permanente, à boa maneira trotsquista. Embora a organização, muito aberta à participação, mas blindada num núcleo duro que decide tudo, tendo similitudes com os sovietes, denuncie uma marca genética diferente. E tudo com bons recortes performativos! E com direito a um minuto nos telejornais e uma chamada nas capas dos jornais!!!…
2. Bastante mais interessante é a actuação de algumas associações cívicas em prol da transparência e da legalidade. Nomeadamente, a “ Revolução Branca”, que moveu várias providências cautelares contra as candidaturas de autarcas que se apresentam a votos em circunscrições distintas daquelas onde atingiram o limite de três mandatos previsto na lei. Sucede que tais candidaturas, a maioria das quais sob a chancela do PSD, são manifestamente ilegais. Outro entendimento teve a vice-presidente daquele partido, baseada numa subtil distinção entre mandatos e cargos. Aplicando-se o limite legal unicamente à renovação dos primeiros. Mas tal distinção afigura-se puramente artificial, destinando-se a lançar uma barreira de fumo para confundir o debate e influenciar as decisões judiciais que se anunciam. É que lobby autárquico dentro do PSD tem muita força e alguns dinossauros e notáveis podem ver a sua carreira política muito complicada se se tirarem as devidas ilações da actual lei. E como se chega lá? Basta descortinar o verdadeiro sentido útil desta limitação temporal do exercício sucessivo de determinados cargos públicos. O qual se desdobra em dois aspectos. Por um lado, facilitar a vida à transparência e à rotatividade, impedindo a criação de sultanatos e baronatos locais, e demais cortejo de vícios. Por outro lado, considerar que quem já cumpriu três mandatos consecutivos já preencheu a sua quota de serviço público, a sua “fossada” cívica. Ficar em “pousio” quatro anos, sendo o caso, só pode revigorar o espírito e a mente do eleito, reforçar a qualidade das listas e dos mandatos e, sobretudo, obrigar os autarcas repetentes a terem “vida própria”. Com ou sem intervalo pelo meio. Se o Parlamento não efectuar uma interpretação autêntica da lei, no sentido óbvio de impedir as candidaturas a quem já atingiu o limite de mandatos, o mais certo é os tribunais ficarem entupidos com providências cautelares…
3. Discurso imaginário, mas não ficcionado, de um “revolucionário” do século XXI: “Trabalhadores, reformados, jovens desempregados, jovens que vão a festas nas nossas sedes e não tem transporte para ir para casa, jovens que não vão a festas nas nossas sedes, mas não tem transporte, pensionistas que nunca conheceram as nossas lojas vazias no outro tempo, amigos e amigas do Lopes Graça, mulheres, ah, mulheres sempre a precisarem de coisas para nós lutarmos por elas, povo em geral bem arrumadinho nos nossos escaparates doutrinários, aderide a uma paginazinha revolucionária no livro das trombas. Tipo «“Cidadania” Guarda». O poiso dos Zeligs do burgo. Ireis sentir-vos muito melhor da infraestrutura anal, eu vos garanto!”…
Por: António Godinho Gil
* O autor escreve de acordo com a antiga ortografia