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Valentões e valentias

Bandarra-Bandurra

As modas, que nunca o foram, pegam de estaca nos novos tempos como germinaram nos ditos recuados. Sempre foi assim, agora é na mesma, mas com outros actores, intervenientes e quejandos registos mediáticos.

Refiro-me ao Bullying, um termo que na língua de trapos anglo-saxónica tem, mais ou menos, o significado de valentias (de “bully”, valentão). A coisa parece estar na “moda” entre os mais novos e aqueles que estão em vias de o deixar de ser, não respeitando sequer a princesinha do Japão, de nome Aiko e de 8 anos, que pediu ao pai, nada menos que o imperador Naruhito, para não ir à escola, onde uns “valentões” (possivelmente republicanos), não a deixavam em paz e sossego.

Por este Portugal, as “valentias” também não faltam; os resultados trágicos, também não. O recente caso de Mirandela foi disso triste exemplo. Portugal tem espécimes deste género desde sempre, os quais vão crescendo e espalhando as valentias pela sociedade, onde quer que se encontrem e na posição que ocupem.

Parece que o pobre Leandro de Mirandela não teve ninguém por ele. Viu-se sozinho diante dos pequenos energúmenos, foi-se abaixo e rio abaixo. Melhor sorte teve a princesinha, cujo pai imperador foi até ao colégio da filha para dar um murro na mesa do director e, se acaso lá há disso, puxar as orelhas ao presidente da associação de pais.

Ora, estes valentões (“bullies”) estão como querem: têm as associações de pais, dirigidas muitas vezes por tipos do género Ned Flanders (vejam os “Simpsons”), que acobertam e desculpam as atitudes; têm as direcções das escolas, que prioritariamente se preocupam com os mapas, objectivos, avaliações e currículos, e com a ministra da Educação; têm a “escola segura” que assegura a incoerência da designação; têm os pais que se preocupam com os resultados do clube, as telenovelas e a garantia do rendimento de inserção, também este com garantia para quem não quer dobrar as costas; têm os políticos, que se preocupam com as hesitações do défice, a imprensa que os despe na praça e governam para as eleições mais próximas; têm a tolerância da sociedade local, que assobia para o lado, compõe a gravata, alisa o bigode e sacode a caspa das ombreiras à falta de água sobre estas; têm a elegância do anonimato que fere, atropela e não assina.

Portugal ensina assim, no temor do temor, os que dão os primeiros passos no ensino. Ora, ensina o autoritarismo dos agressores, o espartanismo dos delinquentes juvenis, com o beneplácito ou a tolerância da Escola. As valentias constituem, assim, uma espécie de disciplina extra-curricular, onde são preparados os ambientes da agressividade, vale-tudo, chantagem, vandalismo, boatos e achincalhes. Receio que, não apenas a lógica, mas a lei, venha a decretar, em vista de tantos precedentes, a pontuação aritmética dos valentões. Até nas universidades, as valentias têm um código, a que se chama “praxe”, que mais não é do que um disparate pegado e a continuidade institucionalizada da valentia primária e secundária – vamos lá a comer erva, ó burro caloiro!; esfrega-me as fuças nessa bosta de vaca, ó caloira estúpida! A tradição burlesca assim o exige, mas aqui, quanto a mim, deve aplicar-se o rifão: quem se limita a seguir os outros, nunca os ultrapassa.

Os valentões que atravessam o espectro escolar com impunidade, são os que se candidatam a maus vizinhos, aumentando, excitadíssimos, o volume do som da aparelhagem para incomodar os do andar de cima e de baixo. São os que na vida militar descarregam socos e pontapés, entre berros idiotas, sobre os mais fracos ou de mais baixa patente. São ainda aqueles que nos locais de trabalho atropelam insolentemente os colegas, lançam apartes chistosos e lambem as botas do chefe.

As vítimas destes pequenos poderes têm tido, por esse mundo fora, três tipos de comportamento. Há aquelas que aguentam e bico calado. Há as que põem termo à vida. Há as que se vingam, aparecendo armadas na escola e disparando indiscriminadamente.

Valentias portuguesas, bullyings ingleses, arcèlements franceses ou as schikane alemãs, não são meros tiques sociológicos. São, isso sim, manifestações distorcidas e complexas da impunidade que se vive na moleza da justiça e das instituições. Quando em casa não está o gato, à vontade fica o rato.

Por fim, e para que se não diga que quero “comer vivo” o primeiro-ministro deste País, nem sequer grafei o respectivo apelido. Aquele dito antropófago, em plainos moçambicanos, ter-lhe-ão ocorrido pelas imagens do leão que devora o gnu estrebuchante. Se estou a criticar o “bullying”, não seria curial canibalizar a criatura. Bem basta que ela o faça, constantemente.

Por: Santos Costa

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