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«Vale do Côa é cada vez mais aliciante»

Sessão comemorativa da classificação como Património da Humanidade marcada por dúvidas quanto ao Museu do Côa

O sítio do Vale do Côa é «cada vez mais aliciante». António Martinho Baptista, director do Centro Nacional de Arte Rupestre, acredita que «há tanta arte rupestre escondida como a que já foi descoberta» desde 1991, data dos primeiros achados na Canada do Inferno. Este optimismo ficou patente na última quinta-feira, em Vila Nova de Foz Côa, durante a sessão comemorativa dos nove anos de classificação pela UNESCO da arte rupestre do Vale do Côa como Património da Humanidade. Uma efeméride também marcada pelo regresso das dúvidas quanto ao futuro do Museu do Côa devido à actual conjuntura política.

«Haverá alguns constrangimentos orçamentais» se o Orçamento de Estado não for aprovado e a administração pública tiver que viver em regime de duodécimos até que o novo Governo aprove outro Orçamento, avisa o director do Instituto Português de Arqueologia (IPA). Para Fernando Real, nesta altura «já não se põe em causa» a construção do museu, pois os últimos Governos têm «manifestado o seu interesse e empenho» em concretizar o projecto. O que pode acontecer serão «alguns acertos e atrasos devido à actual conjuntura política», receia, lembrando que aquele equipamento tem previstos em PIDDAC 15 milhões de euros para a construção e outra verba equivalente para a requalificação ambiental da zona da barragem da EDP, para onde estava idealizado o primeiro projecto. Quanto a isso, o arquitecto também não tem dúvidas e afirma que a proposta vencedora do último concurso vai ser o projecto do futuro museu, a construir numa encosta sobranceira à confluência dos rios Douro e Côa, no Vale de José Esteves, na zona Norte do Parque Arqueológico do Vale do Côa (PAVC).

«Existe um contrato assinado, há uma equipa que está a trabalhar no projecto que resultou de um concurso público internacional e financiamento previsto para a sua concretização. O projecto vencedor foi seleccionado entre 37 concorrentes, o que me dá alguma segurança de que estamos perante um bom projecto. Mas o importante agora é ter o projecto pronto, aprová-lo e conclui-lo esteja quem estiver no poder», refere

Fernando Real. O director do IPA espera ver aprovado em Janeiro ou Fevereiro o estudo prévio para que o projecto de execução possa avançar no Verão de 2005 e a obra iniciar-se em Maio ou Junho de 2006. «O calendário está a ser escrupulosamente cumprido e prevê-se inaugurar o museu no final de 2007», garante. Assim espera Sotero Ribeiro, autarca local, que se diz preocupado com os recentes acontecimentos políticos nacionais. «Tenho algumas preocupações, porque pode vir um novo ministro da Cultura e mudar tudo o que está previsto neste projecto essencial ao concelho. Mas estou esperançado que nada aconteça», refere, reclamando até lá que o PAVC se abra à comunidade fozcoense através de um programa específico de visitas às gravuras rupestres.

Reconciliar fozcoenses com gravuras

«Acredito que a maioria dos fozcoenses não as conhece, pelo que não podem gostar de uma coisa que desconhecem», adianta, sugerindo a «facilitação» do acesso a idosos, estudantes «ou mesmo reservar alguns dias com visitas gratuitas para os naturais do concelho, porque ainda não estão reconciliados com as gravuras». De resto, o autarca considera que «as coisas vão mudar» com a actual directora e acusa a anterior direcção do parque de «falta de colaboração e de abertura» para que esta aproximação tivesse acontecido. Um desafio já aceite por Fernanda Silveira Lima, sucessora de Maia Pinto, que revelou estarem previstas para Fevereiro um conjunto de acções de divulgação do PAVC nas aldeias abrangidas, estando a ser também equacionada a possibilidade de levar os seus habitantes a visitar a arte rupestre descoberta. Polémicas à parte, António Martinho Baptista fez o historial das gravuras rupestres do Vale do Côa, que considerou a «mais importante» estação arqueológica de Portugal. Recordou a polémica «politico-arqueológica» de 1994 que revelou Foz Côa a todo o mundo e sustentou que a desacreditação da arte do Côa foi «mais política que arqueológica», como comprovou o relatório científico de João Zilhão, que condensa toda a pesquisa ali levada a cabo desde 1994. O director do Centro Nacional de Arte Rupestre revelou ainda que existem actualmente 29 sítios de arte rupestre identificados na área do parque, 24 dos quais remontam ao paleolítico. Quanto à ocupação humana da zona, o arqueólogo francês Thierry Aubry, do PAVC, garante que ela já foi demonstrada num período entre 31 mil e 11 mil anos.

Parque arqueológico regulamentado em 2005

Fernando Real garante que a lei de criação da figura do parque arqueológico pode ser publicada em 2005, após conclusão da consulta pública para a delimitação geográfica do PAVC, que vai iniciar-se este mês. «Será depois aprovada por decreto pelo Governo, que homologará depois a gestão», disse o director do IPA. Só nessa altura o parque poderá ser legalmente considerada uma área protegida, com regulamentação que interdite ou condicione o uso, ocupação e transformação do solo na área das gravuras. A figura do parque arqueológico está consagrada na lei desde Maio de 2002, mas só foi homologada pelo anterior ministro da Cultura a 21 de Junho deste ano, aguardando-se ainda pela publicação por parte do Ministério da Cultura, após conclusão da fase de inquérito público, de um decreto regulamentar que criará finalmente o parque arqueológico com todas as suas competências e atribuições. Contudo, esta fase só culminará com a elaboração de um plano de ordenamento. O prazo previsto para a sua execução, após a publicação do decreto regulamentar que cria o parque, é de dois anos. A designação de parque arqueológico pretende dar existência legal à zona de protecção do Vale do Côa através de um plano de ordenamento, um instrumento de gestão territorial considerado essencial pelos especialistas para a consolidação do PAVC, o único do país, que ganha assim uma moldura legal comparável à das áreas protegidas devido ao seu património natural. Esta novidade legislativa, datada de 11 de Maio de 2002, via decreto-lei 131/2002, foi a primeira a sair no âmbito da regulamentação da nova Lei de Bases do Património e identifica estas áreas especiais de salvaguarda do património. Entretanto, os responsáveis do PAVC e uma equipa da Universidade de Aveiro já concluíram o plano de ordenamento territorial do Côa. A legislação criada vai permitir clarificar as relações entre a administração local e o poder central, representado pelo IPA, através do PAVC, no que diz respeito à resolução, do ponto de vista jurídico, da questão da protecção da área de 20 mil hectares. É que os 29 núcleos de gravuras do paleolítico superior classificados como monumento nacional em 1997 e Património Mundial da Humanidade desde Dezembro de 1998 passam finalmente a ser consideradas Zonas Especiais de Protecção (ZEP), sendo atribuído ao parque poder decisório sobre toda e qualquer transformação a efectuar na sua área. Abrangido até aqui por medidas de salvaguarda pontuais e por uma série de documentos legais que foram sucessivamente suspensos devido à caducidade dos prazos que estipulavam, o parque do Côa pode, depois de cumpridas as fases descritas neste Decreto-Lei, passar a existir territorialmente, dispondo de mecanismos de conservação e gestão extensíveis aos seus 20 mil hectares.

Luis Martins

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