Quando dois loucos se encontram, tudo pode acontecer. Durante anos foi assim a relação entre o realizador Werner Herzog e o actor Klaus Kinski. Demência total nas rodagens que acabava por enriquecer a obra artística no seu resultado final. A comprovar em filmes como Fitzcarraldo ou Aguirre.
Com a estreia em Portugal do documentário Grizzly Man, reencontramos o quase desaparecido Herzog, e o seu reencontro com alguém possuidor de uma loucura do gabarito da de Kinski: Timothy Treadwell. Para alguns, Treadwell não terá passado de um lunático, mas para outros era um herói, que tudo fazia para ajudar a proteger aqueles que ele considerava os seus grandes (e únicos) amigos: os ursos.
Aquando da sua morte (Treadwell acabou morto e comido por um daqueles que ele considerava de amigos), Treadwell tinha mais de cem horas de filmagens, feitas ao longo de treze Verões que passou no Alasca a observar ursos. Cansado dos homens e das suas formas de viver, Treadwell sentia-se bem entre os ursos, desejando no fundo transformar-se o mais possível num. É a partir dessas filmagens que Herzog constrói este documento, sem cair, no entanto, no erro, de transformar Grizzly Man numa celebração total à vida e obra de Treadwell. Dúvidas são colocadas e parte da imagem que Treadwell tentava construir, como por exemplo a de eremita, são aqui desconstruídas por Herzog.
O que inicialmente nos parece um documentário sobre ursos, um tanto ou quanto à la National Geographic, acaba por se revelar um documentário acerca do mundo fantasiado de um homem que desistiu de viver entre os homens e procurou refúgio no longínquo Alasca. Entre ursos. Longe de tudo. De (quase) todos. Treadwell merecia um filme assim. Não tanto pelo que realmente (não) fez, mas pelo seu lado de personagem única, capaz de lutar até ao fim por ideais próprios, mesmo lutando contra fantasmas inexistentes, qual D. Quixote moderno. No fim, o que nos fica, é a sensação de termos assistido às brincadeiras perigosas de uma criança que nunca cresceu. Mimada, louca, esquizofrénica… e o filme mostra tudo isso.
Coelhos
Poucos serão aqueles que decidem ir ver um filme tendo como critério o nível de dificuldade que este teve na sua feitura. Eu próprio não me incluo nesse pequeno grupo de pessoas, mas, ao ver um filme como Wallace and Gromit: A Maldição do Coelhomem é impossível não pensar no trabalhão que aquilo terá dado. Bonecos em plasticina que têm de ser moldados a cada novo fotograma. Se pensarmos que um filme tem 24 fotogramas por cada segundo, façam lá as contas. A longa dos estúdios Ardman (cujo historial completo ardeu recentemente) dura cerca de 85 minutos.
Mas fora as coisas mais técnicas, a longa da dupla Wallace and Gromit, até agora apenas com direito a curtas, é uma delicia. Divertido e repleto de personagens que apetece conhecer mais e mais. A história mistura as memórias de filmes como King Kong ou Frankenstein, e todo um imaginário de cientistas loucos, com um humor british bem distante das americanices de outras animações que por aí andam. Um prazer!
Por: Hugo Sousa