A Urgência hospitalar tornou-se no ponto central de todo o sistema de saúde.
É a principal porta de entrada no sistema e, para alguns, até é o único contacto que têm com o sistema de saúde. Os doentes habituaram-se, ao longo dos anos, a procurar satisfazer as suas necessidades em saúde recorrendo aos serviços de Urgências dos hospitais. Esse hábito está a ter muitas implicações no sistema e está em risco de fazer ruir todo o Serviço Nacional de Saúde.
As unidades de saúde colocam a maioria dos seus recursos no serviço de urgência. Faltam profissionais de saúde nas consultas, nos internamentos, os recursos financeiros avultados são absorvidos pela Urgência e a importante atividade de rotina é secundarizada pelas necessidades imediatas da Urgência.
A falta de correção deste desequilíbrio e a ausência de uma reforma do sistema público de saúde agravam esta situação, mas não resolvem os verdadeiros problemas de saúde da população.
As autoridades de saúde têm recomendado, ao longo dos anos, que os utentes recorram, primeiramente aos cuidados de saúde primários evitando o entupimento dos serviços de urgência dos hospitais com meios mais diferenciados.
Este ano, os centros de saúde alargaram o seu horário de atendimento durante os meses de maior incidência de idas ao serviço de Urgência e foi pedido aos utentes para fazerem um contacto prévio à linha de atendimento Saúde 24.
Estes avisos não têm produzido efeitos, fundamentalmente por duas razões:
– Os hospitais têm mantido, nas suas instalações, total capacidade para atenderem a casos não-urgentes com capacidade de utilização de meios diferenciados normalmente destinados a doentes portadores de patologias agudas com necessidade de atendimento urgente;
– os centros de saúde têm perdido, gradualmente, as condições necessárias para atenderem os casos agudos não-urgentes. Falta de médicos de família, horários de atendimento restritos, ausência de equipamentos de diagnóstico rápido, falta de equipamentos de apoio terapêutico e, nalguns casos, até falta de fármacos que evitariam a referenciação para um serviço de Urgência hospitalar.
Assim, por um lado, temos um serviço altamente capacitado para atender a todo o tipo de casos agudos – mesmo não urgentes –, e, pelo outro, um serviço que perdeu a sua especificidade para atender esses casos. O doente, naturalmente, dirigir-se-á ao primeiro sabendo que aí encontrará uma resposta imediata e adequada ao seu problema de saúde.
Enquanto não houver uma reforma profunda do sistema de saúde, com Urgências hospitalares vocacionadas para casos emergentes e realmente urgentes e centros de saúde dotados de capacidade em recursos humanos e materiais para o atendimento de doentes agudos não-urgentes de pouco servirão os apelos do Ministério da Saúde ou da Direção-Geral de Saúde.
Enquanto o sistema for urgencio-hospitalo-cêntrico qualquer reforma dos cuidados de saúde primários estará inviabilizada e os recursos humanos, materiais e financeiros continuarão a ser direcionados para os serviços de Urgência e os centros de saúde a sentir cada vez maiores dificuldades. É um ciclo vicioso sem fim.
Por: Carlos Cortes
* Presidente do Conselho Regional do Centro da Ordem dos Médicos