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UMO 3ª parte

Coisas…

Tal como se previa a polémica em volta da UMO (Unidade Móvel de Oftalmologia) não terminou, antes pelo contrário.

Para os menos atentos faz-se um resumo: a UMO é uma viatura destinada à observação de potenciais doentes do foro oftalmológico. A ideia ficou em banho-maria durante 2 anos apesar de se ter feito a aquisição da viatura e do equipamento. O impasse ficou a dever-se à ausência de acordo com os médicos oftalmologistas do hospital relativamente à dinâmica de funcionamento da unidade e ao seguimento posterior dos doentes identificados. Finalmente a viatura foi posta em funcionamento, já não sob a supervisão dos médicos mas sim de 2 técnicas de ortóptica.

Instalada a polémica, alguns dos oftalmologistas do serviço vieram a público manifestar a sua posição; por seu lado, uma das técnicas de ortóptica, reagiu também exigindo um pedido público de desculpas aos médicos, face às declarações que estes haviam produzido.

Mostrado o cenário, quer-me parecer que alguém no meio de tudo isto anda a brincar com coisas sérias, se não vejamos: a abordagem da pessoa doente pressupõe uma série de actos que vão da colheita dos sinais, sintomas e outros dados relevantes, passa pela utilização de meios complementares de diagnóstico e culmina na obtenção de um diagnóstico clínico que permita estabelecer uma estratégia terapêutica que pode ser médica ou cirúrgica. Isto é claro e universal. Para este conjunto de actos que resulta no tratamento do doente contribuem habitualmente vários profissionais de saúde, com funções bem definidas e diferentes responsabilidades, sendo ao médico que compete coordenar e orientar todo o processo responsabilizando-se no fim pelos resultados obtidos. Este esquema pode ser pervertido de diversas formas, resultando habitualmente em prejuízo para o doente. Uma das formas de perversão é o desrespeito pelo nível de competência e responsabilidade profissional de cada um dos envolvidos.

Neste caso, parece claro o vício de forma de tudo quanto rodeia o funcionamento da UMO. De facto, durante uma das fases mais importantes do processo (o diagnóstico), não aparece nenhum médico o que, por si só, põe em dúvida a assunção de responsabilidades pelo resultado final; por outras palavras poderá dizer-se que, embora uma técnica de ortóptica possa estar habilitada (por lei) a realizar diversas tarefas que contribuem para um diagnóstico, não poderá ser ela a seleccionar os candidatos a doentes, a decidir o que fazer e não fazer a cada um deles e a colocá-los depois nas mãos de médicos dizendo-lhes: “Agora tratem-nos.” Médico nenhum na plena posse das suas faculdades mentais vai assumir a responsabilidade do resultado final do tratamento destes doentes ou da falta de tratamento dos que escaparam ao diagnóstico.

Outro gritante vício do processo prende-se com as expectativas criadas a estas pessoas “diagnosticadas” pelas técnicas de ortóptica. Quer isto dizer que, se o serviço de oftalmologia do HSM não tem capacidade para os doentes já existentes (e daí a ocorrência de listas de espera), não são com certeza as técnicas que vão criar essas condições, pelo que os novos doentes identificados apenas alongarão a dita lista, fazendo de tudo isto um grosseiro embuste. Quem assume esta responsabilidade? As técnicas? Foi precisamente esta falta de condições no serviço que levou ao tal impasse de 2 anos desde o surgimento da ideia. Os médicos sabiam que um dos problemas era a falta de condições para dar seguimento ao rastreio, mas quer as técnicas quer o conselho de administração parecem não se preocupar muito com isso.

Percebem agora?

Por: António Matos Godinho

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