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Uma Terra Desgraçada

Comecei o ano com um funeral na Pampilhosa da Serra. Uma familiar da minha mulher, com 81 anos, tinha falecido nos Hospitais da Universidade de Coimbra na sequência de uma operação complicada. A vida dela era já bastante difícil: tinha de se deslocar três vezes por semana a Coimbra para fazer hemodiálise, percorrendo de táxi, com outros dois doentes renais, uma estrada cheia de curvas.

A igreja da Pampilhosa da Serra estava cheia, maioritariamente de velhos. A pessoa mais “jovem” da terra da falecida, Moninho, a cerca de 5 quilómetros da Pampilhosa, tem 43 anos. Durante o serviço fúnebre o padre deu a entender que ainda tinha mais dois funerais naquele dia. Olhando em volta, dava para perceber que vai ter cada vez mais.

Já em casa, lembrei-me de conferir os números. Verifiquei que a Pampilhosa da Serra tinha em 1960 um índice de envelhecimento de 36,2 (o que significa que por cada 100 jovens até aos 15 anos tinha 36,2 idosos com mais de 65 anos), próprio de uma população maioritariamente jovem, exemplificativa da clássica pirâmide de idades. Os censos seguintes vão revelando uma tendência acelerada para o envelhecimento: o índice passa para 68,4 em 1970, para 108,4 em 1981 e para uns estarrecedores, pensava eu, 192,7 em 1991. Aqui tínhamos já a pirâmide de idades invertida, com quase dois idosos por cada jovem. Uma sociedade assim, pensava eu, era inviável. Essa sociedade não tinha pessoas em idade activa suficientes para garantir, para além da própria subsistência, as reformas dos idosos. Isto sem falar em impostos. Se generalizássemos a situação da Pampilhosa ao resto do país, podíamos fechar a porta.

Procurei então números mais recentes e descobri como uma situação já dramática pode piorar ainda mais. Em www.ine.pt tive acesso gratuitamente, depois de efectuar um simples registo, a números de 2002 (menu “produtos e serviços”/”informação estatística”/”pesquisa por unidade territorial”). E verifiquei que em 2002 tinha havido apenas 22 nascimentos no concelho contra 107 óbitos, que a taxa de excedente de vidas era por isso negativa (com uma permilagem de -16,9) e que o índice de envelhecimento tinha passado, em 11 anos, para uns catastróficos 377,6. Recapitulando, temos que em 1960 havia três jovens por cada idoso e em 2002 temos quase quatro idosos por cada jovem. No concelho da Guarda, já agora, tínhamos nesse ano um índice de envelhecimento, no mínimo preocupante, de 129,1. Faltam números mais recentes, mas já conhecemos a tendência.

Sugestões (a partir de hoje, todas as semanas)

Um livro: A Situação Social em Portugal 1960-1999, volume II, organização de António Barreto, publicado em 2000 pela Imprensa de Ciências Sociais;

Um filme: Terra dos Mortos, de George Romero, com Dennis Hopper, John Leguizamo e Asia Argento;

Uma canção: Il n´y a Plus Rien, Léo Ferré.

Por: António Ferreira

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