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Uma região à espera da deslocalização de serviços do Estado

É possível ou não deslocalizar serviços da administração pública para o interior? Autarcas e deputados dizem que sim

O país foi surpreendido com o inesperado anúncio da mudança do Instituto Nacional da Farmácia e do Medicamento (Infarmed) de Lisboa, onde funciona desde a sua criação, há mais de 20 anos, para o Porto. Há quem diga que se o poder central pretendia deslocalizar serviços públicos da capital não o poderia ter feito da pior forma.

«Deslocalizar pontualmente um serviço de Lisboa para o Porto não é propriamente um bom serviço de desconcentração e coesão territorial», ironiza o líder da distrital do PSD Guarda, acrescentando que «não é com medidas desgarradas e avulsas que se resolve o problema, mas sim com um verdadeiro plano nacional de coesão territorial». E para Carlos Peixoto há três medidas essenciais para alcançar esse fim: promover «um choque fiscal», redefinir o sistema de ensino e o regime do ensino superior, e potenciar uma «efetiva» desconcentração de serviços do Estado. «Não é preciso falar das 164 medidas que este Governo lançou no papel e não concretizou nenhuma», criticou o também deputado. Segundo o social-democrata, há serviços como o Tribunal Constitucional, a Linha de Saúde 24 – «que tem 400 enfermeiros em Lisboa e no Porto e pode perfeitamente tê-los na Guarda ou em Bragança» – e as direções regionais da agricultura e floresta que podiam estar no interior.

Também Manuel Frexes considera a decisão do Governo no caso do Infarmed uma medida para o «português ver». «É apenas faz de conta, é tudo conversa fiada porque isto não resolve nada, pelo contrário só complica», afirma o presidente da distrital do PSD de Castelo Branco. Na sua opinião, «não há nenhum organismo público, da Segurança Social a qualquer ministério, que não pudesse estar numa cidade do interior, incluindo a sede do Governo se fosse esse o entendimento», considera o dirigente, que também inclui nessa possibilidade os tribunais ou os institutos públicos. «Para descentralizar e promover o reequilíbrio sério do país é urgente mudar», reivindica, afirmando que é preciso «apostar em criar emprego e oportunidades» fora das duas áreas metropolitanas. Mas para isso é preciso existir «vontade política», sublinha Manuel Frexes.

Da mesma opinião partilha Ângela Guerra, para quem seria possível «deslocalizar quase todos os serviços» para o interior. «As novas estruturas que estão a ser pensadas e criadas pelo Governo podiam ser deslocalizadas para as nossas regiões, em concreto para o distrito da Guarda», salienta a deputada, acrescentando que a falta de espaço não é problema, pelo contrário. «Temos muito espaço para receber as sedes de muitas entidades. Qualquer uma das secretarias de Estado ou direções regionais, que tenham serviços relacionados com o ambiente ou a agricultura, podem perfeitamente instalar-se aqui», admite Ângela Guerra. E questiona: «Por que não criar, por exemplo, condições de excelência no Hospital da Guarda para deslocalizar serviços de atendimento específico de algumas patologias?». Para a deputada eleita pelo distrito essa é uma questão fácil de resolver e que passa por «legislar, governar e pensar», acusando o atual Governo de não o fazer.

As assimetrias são evidentes e Santinho Pacheco ironiza dizendo que «o país é um todo, não é só o Terreiro do Paço». «Habituamo-nos a ver os serviços em Lisboa e pensamos que não podem estar noutro lado», lamenta o deputado socialista, afirmando que «todas as áreas da administração central podem ser deslocalizadas para o interior, mas não obrigatoriamente para as cidades médias ou capitais de distrito». Santinho Pacheco reforça que há «hábitos enraizados no centralismo do país» que são difíceis de combater: «Há sempre justificações para os serviços ficarem no aconchego do ministério», constata, acrescentando que para mudar o rumo das coisas é necessária uma «consciencialização nacional de que é preciso alterar a forma de fazer política», bem como contornar a «tendência de localizar os serviços nas duas áreas metropolitanas». O deputado diz que caso isso não aconteça «caminharemos para uma morte anunciada a prazo».

Sobre a deslocalização de serviços, Hortense Martins diz que tem sido «uma luta constante». Ainda assim, a deputada do PS eleita pelo distrito de Castelo Branco lembra que há exemplos de serviços transferidos para o interior, como o “call center” da Segurança Social que está em Castelo Branco. «Há muitos serviços que faz sentido estarem no interior. Aliás, o país só se desenvolve se houver uma aposta na redistribuição de serviços», considera a deputada, para quem o Governo está sensibilizado para essa questão.

O que pensam os autarcas

O autarca covilhanense defende que seria «redutor» particularizar serviços, mas afirma que muitos dos organismos desconcentrados e centrais do Estado podiam ser «distribuídos pelos territórios» do interior. «Não queremos ter tudo para nós. Temos que gerar equilíbrio para que o país não esteja assimétrico no que respeita à localização de organismos e instituições», destaca Vítor Pereira, segundo o qual este assunto «deve ser ponderado, conversado e objeto de uma análise que nos permita persuadir as entidades a localizarem aqui as suas sedes». O presidente da Câmara da Covilhã não concorda que «tudo tenha que estar em Coimbra ou Lisboa» e recorda que, «em tempos, a Direção-Geral da Agricultura e o Instituto da Juventude já estiveram sediados em Castelo Branco».

A opinião é geral e também o presidente da Câmara de Fornos de Algodres considera que «todos os serviços que têm a ver com a agricultura e a floresta» podiam estar no interior. Mas Manuel Fonseca vai mais longe e questiona porque é que os maiores municípios do interior continuam a ter mais regalias que os restantes: «A dimensão de Fornos é diferente da da Covilhã. Ainda assim porque é que determinados serviços, como a CIMBSE, têm que estar nos municípios maiores e não nos mais pequenos?», pergunta o socialista. O autarca cita ainda o exemplo do Turismo do Centro, cujo ex-libris é a Serra da Estrela, mas cuja sede está em Coimbra e «não na Guarda ou na Covilhã, por exemplo».

Também Rui Ventura considera que «é preciso que os institutos públicos e os serviços da administração central venham para este território porque ganhamos todos com isso». Segundo o autarca pinhelense o Estado não está preparado para dar esse passo, pois das 164 medidas da Unidade de Missão «o Governo não aplicou uma»: «É mais do mesmo, é novamente moda por causa da tragédia dos incêndios», lamentou.

Já o presidente da Câmara de Belmonte considera que mais do que deslocalizar serviços é importante que os que ainda existem não sejam extintos: «O que eu peço é que não nos tirem os serviços que mantemos», reforça António Dias Rocha, defendendo que a saúde e a educação são duas áreas fundamentais para o seu concelho, pelo que pede «mais médicos e professores». O presidente da Câmara da Guarda, Álvaro Amaro, disse apenas que não está «para esses peditórios».

Sara Guterres Terreiro do Paço é a imagem do centralismo do Estado português

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