A Turistrela revelou esta semana que pretende investir três milhões de euros, nos próximos dois anos, no Skiparque, em Sameiro, no concelho de Manteigas. O anúncio surge numa altura em que os vereadores socialistas divulgaram um relatório da jurista da autarquia que sugere a rescisão da concessão, celebrada em 1999 com a Turistrela e a Certar, devido a inúmeros e persistentes incumprimentos contratuais no complexo da Relva da Reboleira.
Os problemas já não são de agora e terão sido detectados repetidas vezes desde que aquele equipamento de lazer foi inaugurado, em 2001. Deles fizeram referência pelo menos dois relatórios promovidas pelos serviços da Câmara, mas cujas conclusões não tiveram qualquer efeito prático. «Analisando o desenvolvimento de cada uma das fases processuais (concepção, construção e exploração), demonstra-se que o consórcio não evidenciou capacidade de resolução dos problemas que se detectaram e que se foram acumulando», constata a jurista, no relatório a que “O Interior” teve acesso. Tudo porque em 2004 foram enumerados, «uma vez mais e detalhadamente, os vícios e defeitos que o Consórcio devia sanar». Isto é, inexistência de licenciamento para o tele-esqui e para o restaurante e bar, para além de terem sido detectados vários problemas de ordem técnica. A lista é extensa neste particular e assinala, entre outros pontos, o mau funcionamento da drenagem das águas das pistas de esqui e deficiente recuperação das mesmas, material danificado ou o abatimento do terreno na pista principal e nas zonas de passagem envolvente às pistas.
Mas houve mais, caso da aplicação de «material impróprio» de apoio às telas e ao piso sintético ou o incumprimento da planta de integração paisagística, para além da falta de reposição/conservação do material de esqui. Só que os alertas de pouco serviram, a tal ponto que a jurista conclui que o município «esgotou todas as vias de regularização dos problemas detectados e que o consórcio malbaratou, com a sua negligência e falta de eficácia, as hipóteses de atingir o cumprimento contratual que lhe era exigido». Como se não bastasse, o concessionário entregou a gestão do Skiparque [situação que já não se verifica desde Novembro do ano passado] às empresas Geração Sem Limites e Sky Parque, «entidades com as quais a Câmara não tem qualquer vínculo contratual». Por outro lado, a jurista verificou que a autarquia não tinha recebido quaisquer rendas, correspondentes a 50 por cento dos resultados líquidos obtidos. Tudo porque as contas da exploração foram «extemporaneamente remetidas, a solução contabilística adoptada não permite obter uma imagem fiável da realidade do empreendimento e, não se aferindo o retorno do investimento, não é sequer possível calcular as rendas devidas pelo concessionário», sublinha.
O relatório, datado do ano passado, termina recordando que o empreendimento representou um investimento total de 2,4 milhões de euros, «predominantemente financiado com fundos públicos (comunitários e municipais), pelo que era obrigação do concessionário «adoptar as melhores soluções para restabelecer aqueles que foram os desideratos propulsores do projecto: criação de um foco de dinamismo sócio-económico para a região, oferta de um espaço turístico e desportivo com qualidade e segurança, criação de postos de trabalho para as gentes locais». Nesse sentido, e face aos incumprimentos descritos, a rescisão do contrato de concessão impunha-se como uma consequência «inelutável da evolução procedimental verificada e como a única forma de bem administrar a coisa pública e prosseguir o interesse público», defende a jurista.
Presidente pediu perda de mandato dos vereadores socialistas
José Manuel Biscaia acusou oposição de ter revelado documento «sob sigilo processual», mas tribunal conclui que relatório foi divulgado «em defesa do património municipal»
O caso da gestão do Skiparque deu origem a uma queixa do presidente da Câmara de Manteigas contra os vereadores socialistas – Esmeraldo Carvalhinho e António Fraga – no Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco. José Manuel Biscaia responsabilizava os eleitos da oposição de terem revelado no jornal local um documento «sob sigilo processual», pelo que considerava haver matéria susceptível de perda de mandato. O que não aconteceu, por o TAFCB ter concluído, em sentença de 23/11/2006, que os vereadores agiram «em defesa do património municipal» ao publicitar o relatório.
No despacho de arquivamento, a que “O Interior” teve acesso, o magistrado considera que «o principal objectivo da publicação foi precisamente dar a conhecer aos munícipes a deficiente gestão camarária e os prejuízos de ordem económica que daí poderiam advir para o município». Arrumado na Justiça, o assunto prossegue em termos políticos, já que os socialistas acusam a maioria de «notória gestão ruinosa, inqualificável incompetência e inadmissível desleixo na resolução dos problemas». Esmeraldo Carvalhinho considera que é mesmo «necessário reflectir acerca dos prejuízos para o concelho» decorrentes do comportamento da Câmara. «A maioria PSD pactuou com o que aconteceu nestes anos no Skiparque, um projecto que, em vez de ser mobilizador do desenvolvimento do município, foi extremamente penalizador», lamenta, acrescentando que o consórcio só começou a repor o que estava em falta por causa da «insistência e persistência» da oposição. Por sua vez, José Manuel Biscaia, em declarações à Rádio Altitude, sustentou que a autarquia tudo fez, ao longo destes anos, para obrigar o consórcio a corrigir os incumprimentos, sublinhando que pôr termo à concessão implicará sempre um «processo moroso». Longe da polémica, Artur Costa Pais parece agora apostado em mudar o rumo do Skiparque. Para tal, a Turistrela e a Certar contam construir 30 “bungalows”, com capacidade para 180 camas, e diversas actividades radicais.
Luis Martins