El Pais do transacto 27-I, ocupando, logo em cima, com imponente, colorida fotografia e legenda, talvez 40% da superfície da 1ª página, ou mais, noticiava uma exposição de Tintoretto no Museu do Prado. E, na inteira página interior para que remetia, com outra belíssima fotografia colorida, ademais da notícia e dos dados úteis sobre a exposição que se poderá visitar até 13-V próximo, incluía um texto de opinião de D. Francisco Calvo Serraller, ex-Director do Museu do Prado, catedrático de História da Arte da madrilena Universidade Complutense e editorialista de arte do jornal que é, como se sabe, um dos melhores do mundo. A D. Francisco é inerente o hieratismo, digamos dos sábios; e digo-o também porque já lhe ouvi uma conferência sobre Turner, na mecenática Fundação Juan March, no final da qual, durante 5 minutos, conversámos só os dois, resultado de uma interpelação que lhe fiz em privado.
Isto é: a arte avantajou-se com tal magnitude no seio das hodiernas, sérias, sabedoras sociedades que pode, prazenteiramente, ocupar um substancial espaço no que de melhor se publica no orbe, sejam Der Spiegel, El Pais, TIME… A arte é um prodigioso factor de elevação humana, de espiritualidade, agindo, assim, sobre o enriquecimento material, enriquecimento que, por sua vez, dialecticamente, age, lhe responde, com igual vigor. Os museus (e aqui tenho em mente alguns dos melhores do mundo que visito) tornaram-se concorridíssimos templos nos quais os mais refinados – e cosmopolitas, é claro – espíritos se encontram, se dão a conhecer, mutuamente se informam e dão novidades, às vezes sensacionais. O estimado leitor não estranhará que os qualifique de templos, pela simples razão de que a religiosidade é “infinitamente” mais que uma confissão.
Por gosto e dever de ofício não podia de visitar a exposição de Souza-Cardoso na Gulbenkian. Salvo erro, desde que, em VII-2000, estive em Lisboa a investigar para a publicação d’ A Guarda Formosa… ainda lá não voltara. Embora não com a magnitude do que se passa lá fora – a reiterada inépcia dos dirigentes (?) em inculcarem na grei lusa a premência das letras e o primado dos pensamentos positivos menorizam-nos a todos –, embora não com a magnitude, dizia, o certo é que também na capital há eventos ao mais alto nível. E a exposição de Souza-Cardoso foi um desses.
À Gulbenkian jamais daremos todos os elogios; e em parte alguma vi um serviço de bengaleiro e de guarda de objectos com a grande qualidade que aí, facilmente, notei.
A bicha de hora e meia não me assustou. “Quem corre por gosto não cansa”, continuo a trabalhar porque me muno sempre de um livro e esferográficas, meto conversa com as pessoas à frente ou a trás se o assunto delas é interessante – e desta foi porque, das duas senhoras, uma era colega de Filosofia, já jubilada, e o rapaz, na casa dos 30, era um executivo cosmopolita acabado de regressar do Casaquistão –, sete horas de bicha à entrada do Prado, para ver Velázquez, há anos, a esse respeito ensinaram-me tudo o que era necessário.
A exposição estava muito bem organizada, com uma ficha técnica em português e inglês e o objectivo de fazer do ensejo uma festa – festa absolutamente conseguida. O melhor dos entretenimentos é inseparável da religiosidade e, como aqui disse há tempos, a arte nunca pode ser redutível ao entretenimento.
O português não está habituado a visitar museus – nada disso. Até nisso, porém, a exposição foi um motivo de elevação. O casal que leva o carrinho de bebé e objectos proibidos para dentro das salas de exposição – que, depois, tem que se “desenrascar” (perdoe-se o plebeísmo) – ou os que levam garrafas de água, iludindo os vigilantes à entrada, mas não os do interior, o vigilante manifestamente estúpido e grosseiro – muito verosimilmente contratado apenas para a exposição e que não assimilou as instruções previamente dadas – o outro que, perto do bengaleiro, fumava (a segunda vez no mundo em que vi fumo num museu, já que da primeira não falo…), tudo isso, acrescentado ao visitante profundamente ignorante e levado ao espaço da Fundação tal a retumbância suscitada, também, pela Comunicação Social, tudo isso, repito, é motivo de satisfação para todos. Uns aprendem; outros dão-se conta de que o espaço da Exposição é de outra índole que o espectáculo do futebol ou das telenovelas…; outros ainda vêem a catapulta das consciências – o melhor.
A Exposição, disseram os responsáveis, superou em 30% – no mínimo – as previsões de entradas. O trabalho em excelência dá sempre resultados além das expectativas. Ou seja: os responsáveis que tenham, assim, a imaginação – saber já se viu que têm – para propiciarem eventos deste nível à Nação. Que me consintam avançar-lhes, v.g., como paradigma, o Museu Thyssen-Bornemisza em Madrid.
70€ pelo catálogo eram uma exorbitância e 3€ pela entrada módico (há tempos na Fundação Juan March dei 24€ por um belíssimo catálogo de Otto Dix). Ao BPI, pelo seu mecenato, parabéns; também felicidades para esta entidade.
Numa edição de Babelia, o suplemento cultural de El Pais, meia página era de publicidade à exposição. Vieram autocarros com espanhóis. Todos ganham com a grandeza e os nossos atentos vizinhos, consabidamente, “não brincam em serviço”.
Guarda-4-II-07
P.S.- A Exposição de Souza-Cardoso na Fundação Juan March teve como balizas 16-I e 1-III-1998. No último artigo, por lapso, saiu uma data errada. As minhas desculpas.
Por: J. A. Alves Ambrósio