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Uma árvore no Outono

Bilhete Postal

Muito cedo pisa as folhas húmidas do jardim. Outono, tons escuros, algumas árvores vermelhas e flores castanhas sobre a relva. Alguns troncos despem-se da folhagem e mostram-se quebrados. O Outono seca os braços também, não só as folhas. Não há flores. Não há muitos pardais. Prepara-se o Inverno e há frio e névoa na madrugada. Ele começa a correr lentamente. É único no jardim. Corre. Há árvores despidas de ramos erguidos sem nada. Percorre os espaços que se encherão de crianças às dez. Vai pela rua que tem a piscina municipal, o campo de futebol, o ciclo preparatório. Há anos sonhou que faria estes trajetos levando uma mulher linda. Descobriu que havia mulheres lindas que não corriam, feias que corriam, feias que eram fascinantes e não corriam também. Havia de tudo, mas nunca a pessoa que ele imaginara. Sonhou depois com um cão. Mas os cães não gostam de correr assim. Escolheu um “walkman”, depois um MP3 e agora um iPhone. A corrida com a companhia de um som. O jardim foi mudando ao longo dos anos mas nunca deixou de o pisar de manhã. Todas as manhãs de todos os dias há quinze anos. O Outono é o melhor tempo e a melhor sensação. As folhas estalam debaixo dos pés, por vezes escorregam, a névoa forma um cenário de conto fantástico. Parece um cavaleiro na bruma. Quando regressa a casa, desde há um ano que tem companhia. Ela não corre nunca. Abre-lhe a porta e despe-se enquanto ele sobe a escada. “Hoje sou uma árvore no Outono”. Quando suado chega à ombreira da porta está desnuda de braços levantados.

Por: Diogo Cabrita

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