Arquivo

Uma aldeia que é um palco

Teatro popular regressa domingo a Pousade com “O Drama da Paixão”

Sem extremismos, excessos ou polémica e muito menos sangue, mas com grande realismo e muito empenho de quase quatro dezenas de actores e figurantes, assim se faz “O Drama da Paixão” que vai desenvolver-se sábado à noite pelas ruas de Pousade. Uma representação itinerante, organizada pelo Grupo Cultural e Desportivo Pousadense, que assinala o regresso do teatro popular religioso à pequena aldeia do concelho da Guarda, onde esta arte é uma tradição secular, a tal ponto que esta dramaturgia é uma adaptação de “O Mártir do Gólgota”, peça escrita ou ditada em 1926/27 por um pousadense romanceando o drama narrado pelos Evangelhos.

O espectáculo bíblico é protagonizado por actores amadores da localidade e António Saraiva, todos dirigidos por Américo Rodrigues, actor e encenador do grupo de teatro “Aquilo”. Durante hora e meia, a aldeia viaja dois mil anos e quase que se transforma em Jerusalém, palco da paixão de Cristo, através de sete cenas onde o público é chamado a acompanhar o crescendo dramático do texto até à glorificação final. “O Drama da Paixão” começa com a Predição, segue no tribunal de Pilatos e os encontros com Samuel e Verónica na Rua da Amargura, onde Jesus cai por duas vezes a caminho do Calvário, local da sua crucificação juntamente com dois ladrões. Acontece depois o enterro no jardim de José de Animateia e a Ressureição num trajecto fidedigno das Escrituras, mas fantasiado e ampliado por mor da intensidade dramática dos quadros. A trama desenrola-se em três lugares distintos, entre o Largo da Fonte, a Rua do Penedo e o Outeiro, no centro da aldeia. Trata-se de uma encenação que recupera uma tradição antiga de Pousade, cuja vivência era marcada pelas representações de cariz religioso da Páscoa e do Natal. Mas nem só as Escrituras inspiraram os pousadenses, também alguns textos e histórias clássicas foram adaptadas por populares para deleite da comunidade.

Uma vocação que terá começado no final do século XIX, quando alguns apreciadores das artes do palco decidiram criar as suas próprias versões de alguns acontecimentos bíblicos, históricos ou mesmo de romances. Assim surgiram peças como “A Paixão”, “Auto dos Pastorinhos”, “Morte de Antipatro e Vingança de Enóe”, “Inês de Castro”, “Santa Maria” e “Acto de Adão e Eva”. Encenações que resultam dos denominados “cascos”, textos reescritos, improvisados ou ditados por autores locais, analfabetos na maioria dos casos, desde 1876. Contudo, este “Drama da Paixão” marca também uma viragem nestas representações, é que a peça conta com a participação de três profissionais do teatro. António Saraiva (actor), Américo Rodrigues (encenador) e António Freixo (técnica) dão «mais rigor técnico e de representação» às produções pousadenses, refere Joaquim Marques, dirigente do Grupo Cultural e Desportivo Pousadense e autor da recolha literária. Uma nova etapa na perpetuação desta tradição que também poderá ganhar outro alento com a realização de um festival de teatro religioso da região Centro em Pousade. Um projecto que será brevemente apresentado à delegação regional do Ministério da Cultura, em Coimbra.

Luis Martins

Sobre o autor

Leave a Reply