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Um terrível, desesperado e (in)feliz silêncio (tergiversando Lobo Antunes)

” Na morgue improvisada…alinhavam-se já mais de 180 mortos. Os seus telemóveis não paravam de tocar. Mas ninguém ousava atender.”

Patrícia Fonseca na “Visão” de 18/3/04

Ora bem: há 15 dias estava eu a tentar não escrever sobre a Maternidade quando me deu o Amok.

Não, não morri. Não estou a falar-vos através de uma daquelas vias de comunicação com o outro mundo a que só alguns privilegiados têm acesso. Foi o caso do Moisés…ou seria o Mahomed (desculpem mas às vezes já baralho as teologias – outro dia estava a querer explicar a um colega o caminho para o Seminário de Vilar no Porto e só me saía “a sinagoga” – compreendeis, para os ateus, estas mitologias são todas parecidas e a partir de uma certa idade já se misturam alhos com bugalhos que são apenas maneiras diferentes de a natureza expressar o Seu poder onomástico) e é também do meu querido António Lobo Antunes cujo último livro lhe foi “ditado por um anjo” (sic, na mesma “Visão”).

Apenas…adormeci. Estava em frente do computador a tentar chegar ao fim de um elaborado raciocínio quando fui assoberbada por uma vaga de sonolência a que não pude resistir. É certo que o tema não era dos mais interessantes – as portagens no IP 25 – mas, como já deveis ter percebido, de qualquer fio se pode tecer uma renda. A minha avó até de linhas de coser as fazia. É preciso é que “a entidade misteriosa que me guiava a esferográfica” (Lobo Antunes, sic, idem) ou o dedo, no caso da minha querida avó, faça o favor de estar presente.

O que deu cabo de mim foi mesmo…o cansaço.

São as “horas extraordinárias”, as “jornadas” de 10h, as “semanas” de 90h e, agora, para ajudar à festa, os estudantes da UBI. Claro que tudo isto é pago, e bem pago, para os padrões nacionais, claro. Não me estou a lamentar, bom… se calhar até estou. Devia é dar graças a Deus por ter trabalho, por não haver perigo de ele me faltar e por a minha hora ser relativamente bem remunerada. Mas toda a gente tem o seu limite e… naquela malfadada semana, atingi-o.

Peço desculpa aos leitores, que devem ter tido imensas saudades do meu arrazoado (sei que há alguns que se munem do dicionário antes de ler as minhas crónicas mas, mesmo assim, não desistem – lamento não utilizar uma linguagem mais acessível mas a fase de falar “às massas” já passou e, além disso, a consulta regular de dicionários e enciclopédias é altamente recomendada pelos peritos – a minha filha que diga se não lhe fez bem, quando ela vinha perguntar um significado qualquer eu mandava-a ir ao dicionário – e, como diz não sei quem, a linguagem representa um dos principais limites para a nossa inteligência, de forma que convém estar sempre a expandi-la), mas para os compensar têm aqui muito com que se entreter, tentar descobrir o fio à meada por entre estes longuíssimos parágrafos que, como sabem, estão absolutamente na moda.

Voltando à Maternidade, toda a vida se nasceu, aliás a proliferação é um processo imparável, apesar de todas as malvadas que insistem em fazer abortos por dá cá aquela palha, e o parto propriamente dito também, quando se começa a nascer só se termina quando já se está cá fora, é uma luta de vida ou de morte, contra a mãe e contra o tempo, portanto não compliquem o que não é complicado.

Para complicados já bastam os espanhóis que em vez de saírem à rua a exigir a expulsão dos mouros, africanos e outros que tais, coisa que nós portugueses não deixaríamos de fazer de imediato, como muito bem lembrou o Jorge Bacelar, insistiam em telefonar para os telemóveis das putativas vítimas em vez de esperarem calmamente pela listagem oficial e insistiram e insistem na falsa problemática da verdade como se não soubessem que isso é coisa que não existe.

Verdade é aquilo em que se quer acreditar independentemente das evidências.

Lá por que não foram encontradas armas químicas não quer dizer que não existam, certo? É tudo uma questão de persistência.

Elas vão aparecer nem que…tenham de ser inventadas.

Por: Maria Massena

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