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Um teatro diferente

Cruciform Theatre, desenvolvido pela ASTA, agradou ao público covilhanense

O relógio rondava as dez da noite quando o público foi convidado a entrar no Cruciform Theatre para assistir à peça “A Balada do Velho Marinheiro”, de Ruth Mandel, a partir do conto homónimo de S.T. Coleridge. À entrada para uma cruz simétrica – trazida de propósito de Antuérpia (Bélgica) -, os actores, vestidos a rigor com roupas do século XIX, encaminharam os convidados da noiva ou do noivo para as quatro extremidades da estrutura. Os “ships” (navios) eram os seus lugares numa espécie de proa de navio.

A disposição do público era igual em cada extremidade: dois em cima, três no meio e dois em baixo. Todos a postos para a boda poder começar, mas, ao invés de um casamento, os “convidados” assistiram à história de um velho marinheiro. É nesta personagem, que assiste por coincidência ao casamento, que se centra toda a peça. E durante cerca de 40 minutos, os sete actores em palco coordenam os seus movimentos e acção em redor do velho marinheiro. No final, a opinião era unânime: «Sem dúvida que é diferente», confessaram a “O Interior” alguns dos espectadores da sessão de sexta-feira. «Surpreendeu-me pela positiva», disse Liliana Ferreira, enquanto Sofia Valadas admitiu estar um pouco «atónita» com o que viu, apesar de ter gostado do espectáculo. Actriz de profissão, Sofia Valadas gostou particularmente da estrutura e da ideia de proporcionar a cada espectador uma «visão própria da peça, a partir do lugar onde estava sentado». É que neste modelo de teatro, o palco não se limita ao centro e alarga-se a todo o espaço, acabando por ser o espectador a criar uma interacção com os actores. E cada espectador tem uma visão diferente do que se passa em cena: o que é visto por uns como a entrada do actor em cena, será visto por outros como a sua saída. Outros terão uma visão completamente diferente desse movimento ou nem sequer verão o actor.

Assim, cabe ao público assistir e fazer parte da peça, já que tem a tarefa de ligar momento a momento toda a acção. É, por isso, um teatro diferente. «Gostava que não tivesse sempre música a acompanhar, porque custou-me a compreender algumas coisas do texto», apontou no entanto Sofia Valadas. Já Carla Pereira apenas tinha elogios para falar do que viu: «É uma ideia muito engraçada e permitiu ter mais intimidade com os actores», disse, enaltecendo as «excelentes» interpretações. «Apesar de não dominarem muito bem a língua, exprimiram-se muito bem física e verbalmente», considerou. A representação, que terminou na última segunda-feira à noite, parece ter agradado ao público covilhanense. Gabriel Travasso, estudante de Engenharia Civil na Universidade da Beira Interior, assistiu duas vezes para «ter outras perspectivas» da acção. E da última vez preparou-se: «Li o texto e já o consegui compreender melhor, porque da primeira vez foi difícil perceber algumas palavras por causa da pronúncia castelhana», explica. Para Abel Silva foi a primeira vez, mas já vinha também com boas noções do que iria ver. «Tinha visto a estrutura e o espaço no dia do concerto da EPABI, altura em que os actores e encenadores nos explicaram o conceito de Cruciform Theatre e as histórias a ele associadas», revelou.

Este professor de Filosofia fala num «teatro inovador», não só na estrutura arquitectónica em que decorre a acção, mas também na interpretação dos actores. «É um conceito de teatro diferente porque os actores são trabalhados pelos encenadores como se fossem marionetas», destaca, ao referir-se ao movimento e postura física dos intérpretes. A peça foi desenvolvida pela ASTA (Associação de Teatro e Outras Artes), em parceria com o Instituut Voor Sheppende Ontwikkeling – The Troupe for Theatre Research (Bélgica) e a companhia profissional Medea_73 (Espanha). A encenação é de Harvey Grossmann, criador do conceito e seguidor das teorias de Gordon Craig (fundador de uma visão futurista de teatro), e Ruth Mandel, a quem coube a coordenação do texto, da música e dos movimentos dos actores, vindos de Portugal, Peru, Argentina e Venezuela.

Liliana Correia

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