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Um péssimo exemplo para o país

Pois, Pois

Lisboa devia ser um exemplo para o país. Mas não é. Afinal de contas, é a capital desta ditosa pátria.

Cidade antiga, fundada ao que consta há cerca de 3200 anos por mercadores fenícios, teve vários nomes, tornando-se Lisboa depois de 1147, quando Afonso Henriques a conquistou aos mouros.

Há séculos que se habituou a viver dos rendimentos que vêm de fora. Perdidas as colónias, vieram, passados cerca de 10 anos, os fundos comunitários e, como sempre, Lisboa abocanhou a fatia de leão. Há, salvo erro, dois anos os nossos governantes tiveram uma ideia brilhante. Como a região de Lisboa e Vale do Tejo já não podia receber mais fundos estruturais – há muito que ultrapassou os 80% do rendimento per capita da União Europeia –, alteraram as fronteiras, fazendo avançar a região centro cerca de 50 quilómetros, para, como é óbvio, o grosso dos fundos não se afastar muito do centro. Em 20 anos de “Europa”, avançaram-se 50 quilómetros em direcção à província – a Guarda fica a 300, agora façam as contas.

Mas nem assim, privando o resto do país de investimentos essenciais, Lisboa se tornou uma cidade exemplar, de que os portugueses se possam orgulhar. Uma cidade-locomotiva, que puxe pelo resto. Bem pelo contrário.

A Câmara tem um passivo superior a 1 200 milhões de euros, cerca de 12 mil funcionários – o que dá o espantoso rácio de 10,2 funcionários por mil habitantes, mais do dobro de outras capitais europeias e superior ao rácio do Porto que é de 6 por mil –, carradas de assessores e, todavia, a cidade continua suja, caótica em termos urbanísticos, o património degradado e devastado, com obras megalómanas, intermináveis e incompreensíveis para o comum dos mortais. Enfim, o panorama típico de uma cidade portuguesa, só que ampliado, porque os meios disponíveis para infernizar a vida do cidadão são também muito maiores.

As últimas eleições serviram para ilustrar o grau de degradação a que chegou a capital. Um “circo”, como acertadamente lhe chamou Vasco Pulido Valente, com doze “palhaços” a rebentar de ideias sobre as frentes ribeirinhas, a recuperação da baixa, a recuperação de habitantes, o rejuvenescimento, as acessibilidades, os transportes públicos, os idosos, o “devolver o rio às pessoas”, o aeroporto e o diabo a quatro. Sobre as razões dos mais de 1 200 milhões de euros de dívidas da Câmara nem uma palavra. E parece que os mais de 12 mil funcionários também não são nenhum problema. E a nenhum dos candidatos parece ter ocorrido que as suas “ideias” implicam necessariamente um aumento da dívida. Em termos políticos, é difícil imaginar pior.

O que Lisboa precisava neste momento era de um Rui Rio. Alguém que cortasse a direito e que não se deixasse impressionar sempre que alguns analfabetos espertalhões, que passam por gente da cultura e do desporto, se pusessem a berrar que se está a matar a cidade porque lhes cortaram nos subsídios. Mas Lisboa está agora entregue a uma espécie de comissário político do governo central, que conseguiu a proeza de ter tido ainda menos votos que Carrilho há dois anos (57 997 e 75 022, respectivamente) e, mesmo assim, sem uma pinga de pudor, gritou vitória, acompanhado, de resto, pela maioria dos outros candidatos, o que me leva a desconfiar que aquela gente não regula bem da cabeça. Desgraçadamente, só resta a António Costa negociar caso a caso com uma trupe que não se recomenda.

A verdade é esta: se Lisboa é Portugal e o resto é paisagem, então se calhar o melhor é ficarmos só com a paisagem.

Por: José Carlos Alexandre

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