Há um pesadelo que todas as mães, e sobretudo as mães, tiveram. Nesse pesadelo vêm dizer-lhes que a sua filha, aquela que amamentaram durante meses, a quem acompanharam os primeiros passos, ensinaram as primeiras palavras, acarinharam durante anos, afinal não é delas. Nesse pesadelo, houve uma troca na maternidade e deram-lhes o bebé errado. Ainda em choque compreendem que a sua menina lhes não pertence e que lhes vai ser tirada a qualquer momento. O outro, o seu bebé legítimo, é ainda um fantasma. Nem é delas nem deixa de o ser. Nem interessa para já: para já, o drama é que esta menina vai embora. E como explicar-lhe, como explicar a uma menina de quatro, cinco anos, que aquela, aquele, não são os seus pais? Como dizer-lhe que vai sair desta casa e passar a viver com perfeitos estranhos? É a mesma coisa que dizer a uma criança que os seus pais morreram, os dois ao mesmo tempo, e não os vai ver mais. Quem tem essa coragem? Que lhe vão dizer nessa primeira noite, e nas seguintes, quando ela chorar e chamar pela mãe?
Mas regresso ao início, e pergunto: você deixava que lhe levassem essa menina, que descobria agora não ser sua filha? Eu não deixava. E o outro menino, aquele que era afinal o seu filho? Repudiava-o? Eu não, eu queria-o também. E os pais, os verdadeiros pais? Quereriam de certeza o mesmo.
Como é evidente, estes dramas não têm soluções indolores. Alguém, é inevitável, vai ter de sofrer terrivelmente. Em obediência à nossa lei, a criança terá de ser entregue aos seus pais biológicos, custe o que custar, a não ser que se tenha completado antes um processo de adopção. Em obediência à razão, ao bom senso, ao interesse da criança (único critério realmente válido), a lei deveria ser mais flexível, admitir soluções casuísticas e compromissos.
Por exemplo: no caso de Torres Novas, é errado entregar a criança ao seu pai biológico e arrancá-la da única família que ela conhece. Mas é errado também negar à criança o contacto com o seu verdadeiro pai. Este queixava-se de nunca lhe terem permitido ver a filha, de lhe terem negado uma simples fotografia. Obrigaram-no a ir para tribunal, difamaram-no, fizeram-lhe processos de intenções, duvidaram dos seus propósitos. Continua sem conhecer a filha e luta há mais de dois anos por esse momento. Digam-me o que disserem, tenho de o respeitar.
Que solução para todo este imbróglio? O critério primeiro, repito, é o interesse da criança. Este interesse implica permanecer na família de acolhimento, mas também conhecer e privar com o verdadeiro pai. Por exemplo combinando um regime de visitas, possibilitando o convívio entre ambos. Tudo de forma a que, daqui a alguns anos, a criança decida com quem quer ficar.
Quanto ao habeas corpus hoje proposto por mais de onze mil cidadãos, o pais jurídico aguarda com curiosidade o desfecho da providência. Sobretudo quando se sabe que o Supremo Tribunal de Justiça denega o habeas corpus quase por sistema, tendo restringido severamente o seu âmbito de aplicação, e ainda por cima quando o militar, de quem se exige a libertação imediata, terá apresentado os mesmos argumentos em recurso ordinário.
SUGESTÕES:
Uma série de televisão: Nip Tuck. A vida de um consultório de cirurgiões plásticos de Miami. Já disponível na Europa a primeira série em DVD e, nos EUA, a segunda e terceira (mas com legendagens apenas em espanhol e francês). O melhor actualmente em televisão, juntamente com House, Donas de Casa Desesperadas e My Name is Earl.
Um apito: Dourado. Da primeira página de “O Público de Hoje” (terça-feira): segundo o depoimento de Carolina Salgado, que viveu durante anos com Pinto da Costa e ouviu as conversas, foram comprados árbitros pelo Futebol Clube do Porto para prejudicar o Benfica. Afinal, não era só a incompetência dos dirigentes e treinadores do Benfica, ou a organização e férrea (norte-coreana) disciplina do Porto. Era, segundo Carolina Salgado, a cunhazinha, a putazinha, a corrupçãozinha. Parabéns pelos sucessos desportivos.
Por: António Ferreira