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Um pecado mortal

Porque é que a pena de morte foi erradicada de muitos países? Porque a justiça falha mais do que devia e o ato de tirar a vida a alguém é irreversível e irreparável.

Este raciocínio transferido para seres vivos fantásticos e fundamentais como são as árvores é igualmente válido. Depois de abatidas não há mais nada a fazer. É irreparável. Replantar não é a mesma coisa pois retorna a zero o contador temporal. Daí a luta de muitos guardenses pela sua manutenção nos espaços públicos. Não se trata de oposição política formal, apenas política, pois, política, significa intervenção na polis que é a cidade. É dever de qualquer cidadão, perante algo que considere errado, erguer a voz. Um voto não é um mandato para o desvario do eleito. Se esse eleito pratica atos que o cidadão considera lesivos dos interesses da comunidade, este tem o dever de se organizar e tudo fazer para impedir a concretização dos mesmos. Pelo exposto, tentar reduzir a ação de um grupo de cidadãos defensores das árvores a pura chicana política, é falta de honestidade intelectual.

As árvores, seres autotróficos e fotossintéticos, desempenham papéis basilares num ecossistema. Especialmente nas cidades, para além do papel de sumidouros de dióxido de carbono, têm ainda um papel mais importante – dão-nos o oxigénio vital, por isso será sempre um ato de boa gestão da qualidade do ar, logo, da vida de uma cidade, aumentar sempre o seu número. E isso é muito diferente da atitude de abater para substituir, ou nem sequer substituir.

Infelizmente é o que vemos por cá. Abates na Avenida Cidade de Salamanca e substituição por espécies que, ou atrofiam ou morrem; abates no jardim José de Lemos para estacionamento; abates previstos para o parque da cidade em nome de uma requalificação desnecessária; falta de manutenção arbórea no parque Polis, com dezenas de espécies mortas; podas selvagens (rolagens) perpetradas pela junta e/ou câmara municipal, que já liquidaram ou vão liquidar a maioria das que penosamente vão resistindo à violação sazonal. Tudo isto responsabilidade da autarquia. Acresce ainda o abate dos ulmeiros, saudáveis e raros, no quartel da GNR em nome de uma, suposta, falta de segurança; e a intervenção que irá ocorrer no Parque da Saúde, estas duas com outros perpetradores. Este cenário dantesco e grotesco da criação de espaços livres de árvores como sinal de progresso, como se estas não valessem nada, é uma tristeza que não tem fim à vista na nossa cidade.

Na mente deste executivo, as árvores são, claramente, um alvo a abater em vez de respeitar. Vociferar para as câmaras que as árvores estão todas podres e que os cidadãos que se opõem ao abate são irresponsáveis, forças de bloqueio e cumprem uma qualquer agenda política da oposição é, simplesmente, faltar à verdade dos factos e criar uma cortina de fumo em nome de uma putativa reeleição.

Haja betão, muito betão. Esse maravilhoso e instantâneo instrumento de obra feita, de legado autárquico. As árvores simplesmente não têm essa capacidade. Têm o defeito de demorar muito a crescer ou de morrer tentando. É esse o seu pecado mortal.

Por: José Carlos Lopes

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