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Um país, dois sistemas

Há em Portugal dois mundos opostos. Um que atrapalha e outro que trabalha, um que desfaz e outro que faz, um que cria problemas e outro que os resolve, um que vive na ilusão e outro na dura realidade.

Ao primeiro dos dois mundos tudo é permitido. Ao segundo tudo é dificultado. O primeiro gasta. O segundo paga. O primeiro tem desígnios nacionais. O segundo tem compromissos a respeitar no final do mês.

Há um Portugal que vive à sombra do Estado. Há outro que alimenta o Estado. Um vive da burocracia. Outro sobrevive afogado nela. Um faz planos. Outro inova, descobre, arrisca e cria riqueza.

O primeiro é o mundo da política e dos seus amigos e protegidos, unidos por um Estado tentacular e gastador. É o mundo das empresas públicas, semipúblicas e aparentemente privadas. Esbanja recursos. Manda na sociedade como se esta fosse propriedade de uns quantos. Beneficia certos negócios em prejuízo de outros.

O segundo é o mundo de centenas de milhar de agentes económicos, esquecidos e desprotegidos. Carregam às costas um sistema fiscal iníquo, uma burocracia asfixiante e uma justiça incapaz. São pequenos e médios empresários, empreendedores, investidores, gente que faz pela vida, gente anónima de quem se fala quando há votos. Só.

São dois mundos, ou seja, duas realidades que parecem de países diferentes. Mas não. Coexistem no mesmo país. O nosso. De resto têm culturas diferentes, valores opostos, vidas desiguais. A uns todas as facilidades, a outros todas as dificuldades. Uns têm acesso aos

corredores do poder e aos centros de decisão. Outros assistem pela televisão.

Os chineses, no tempo de Deng Xiao Ping, inventaram o conceito ‘Um país, dois sistemas’. É uma das maiores criações da história económica. Cruza socialismo e capitalismo, economia de estado e economia planificada. Deste cruzamento resultou um milagre, que faz a China crescer a dez por cento ao ano.

Portugal também tem dois sistemas. Um sistema que mistura uns pozinhos de socialismo e capitalismo de Estado, cozinhados por um acentuado dirigismo político. E outro sistema que é uma espécie de economia de mercado para os pobres, para aqueles que não têm outra alternativa que não seja arriscar e viver em concorrência.

O primeiro sistema é mais ou menos o que Portugal sempre foi. Um país a viver sob a protecção do Estado. Agora mais forte, gastador e arrogante do que nunca. Um Estado que, sob o comando socialista, reforçou a sua condição de monstro insaciável, consumindo metade da riqueza produzida.

O segundo sistema é, também, o que sempre foi. Gente que vive sob o garrote fiscal, a prepotência da burocracia estatal e a incerteza do futuro. Gente que faz pelo país muito mais do que aquilo que imaginamos. Gente a quem o Estado só atrapalha.

Estes dois sistemas são inconciliáveis. Não fazem uma combinação virtuosa, como tem sido o modelo chinês (sabe-se lá até quando). É uma mistura negativa, na medida em que um sistema vive do outro, suga o outro. Enquanto isto durar Portugal está condenado a empobrecer.

Luis Marques

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